Um tweet publicado pouco depois do debate que opôs André Ventura e João Cotrim Figueiredo acusa o líder do Chega de mudar sistematicamente a sua posição sobre o que fará após as eleições em relação a um governo liderado por Rui Rio. “Ventura começou por dizer que não ia para governo nenhum, para exigir ministérios e agora que já não querem que ele brinque aos governos de direita ele diz que aparece à mesma na festa”, refere o autor do tweet.

Comecemos por recuar a julho do ano passado. No VII Conselho Nacional do Chega, André Ventura disse que o seu partido “não fará parte de nenhum governo que não promova, na Assembleia da República, a prisão perpétua” para condenados por crimes de homicídio, terrorismo, violações ou crime sexuais. Ventura sublinhava então que, se deixasse cair essa sua “área essencial” da intervenção política, era a “confiança dos eleitores” no partido que ficava posta em causa. “E este Conselho Nacional deve dar um sinal muito claro de que não aceitará integrar nenhum governo, seja em que circunstância for, caso isto não seja aceite.”

Salto para janeiro de 2021. No debate com Rui Rio, no dia 3, Ventura ouviu do líder social-democrata a ideia de que o PSD não poderia aliar-se a uma força “instável” (entenda-se, o Chega). Na resposta, Ventura insiste que “só aceita um governo de direita em que possa fazer essas transformações” em que tem insistido nos últimos meses: reforma da justiça, da segurança social, etc. E, portanto, só com um lugar — ou vários lugares — nesse governo haveria luz verde do Chega.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ventura tentou forçar entrada no Governo, Rio disposto a provar que é bluff

Mas, nesse mesmo debate, Ventura é confrontado com a falta de clareza sobre a posição que pode vir a assumir para viabilizar um governo do PSD sem a presença do Chega.

André Ventura — “Farei tudo para isso, tudo faremos para isso.”

Moderadora – “Não viabilizará orçamentos de um Governo do PSD que precise do seu voto porque não está no Governo.”

André Ventura – “Não viabilizaremos nenhum orçamento mau para o país e se não houver reformas na Justiça e na Segurança Social, não viabilizaremos nenhum orçamento. O Chega só aceita Governo de direita em que possa fazer essas transformações e isso implica presença no Governo.”

O que resulta das declarações de Ventura nesse debate é que o líder do Chega defende mudanças nas áreas já mencionadas; e que essas mudanças não são possíveis sem a presença do Chega no governo e nas áreas em que Ventura quer ter intervenção direta do seu partido; e que, como Rui Rio se recusava a aceitar um partido “instável” num governo seu, não havia margem para luz verde dos deputados do Chega a esse executivo.

No dia 7 de janeiro, Ventura foi entrevistado no Observador (um dia depois de dizer, no frente-a-frente com António Costa, que faria “todos os sacrifícios” para afastar o atual primeiro-ministro de São Bento).

Nessa entrevista, o deputado do Chega admite que possa não ter sido “completamente percetível” nas posições que tinha vindo a assumir até aí. E, quando questionado sobre o que fará se Rui Rio não o chamar para formar governo e a esquerda formalizar uma moção de censura no Parlamento, respondeu: “Sei que não é a vossa função, mas o que é que vocês fariam? Temos uma maioria. Imaginem, 8 ou 9% do Chega, 30 do PSD, 4 da IL, não sei o que o CDS terá. Rui Rio diz: ‘Que se lixe o Chega, que se lixem os eleitores do Chega.’ É contra tudo e contra todos. Não quer saber de corrupção, de taxas de IRS, de desperdício do Estado nem de reformas na justiça e diz: eles que decidam o que fazem. O que vocês fariam?”

A pergunta é-lhe devolvida e Ventura responde: “Voto contra, como é evidente.” E um cenário de apoio parlamentar que afaste o PS do governo e abra caminho a um governo liderado pelo PS? “Não, não admito.”

Conclusão: sem Chega no governo, simplesmente não há governo? “Eu disse no Congresso, leiam os meus lábios: se o Chega não tiver participação no Executivo e se depender dele não há nem Rui Rio nem o diabo que os carregue a passar pelo muro que vai ser o Parlamento porque não estamos aqui a brincar.” E mais: “Nós não confiamos que PSD e CDS façam as reformas que o país precisa.”

Vende-se parceiro para o PSD: o arranjo, o tamanho que conta e a demagogia que é cara

A campanha ainda não começou mas, entre debates e entrevistas nos vários órgãos de comunicação social, novas declarações de André Ventura sobre o mesmo tema. E, aqui, voltamos ao início: debate com João Cotrim Figueiredo, a 9 de janeiro. E volta tudo a estar em jogo, no plano governativo. Porquê? Porque, nesse debate, questionado sobre se viabilizaria um governo que juntasse PSD, CDS e Iniciativa Liberal — que já disseram não admitir a presença do Chega num governo de que façam parte —, Ventura afasta a obrigatoriedade de estar no governo

“Admitimos tudo, porque a nossa posição não é destrutiva.” Palavras proferidas imediatamente depois de dizer: “Se tivermos o que algumas sondagens nos dão, que é a terceira força política, se formos excluídos do debate, agiremos consoante a nossa consciência, vamos ler o programa e analisar, não nos vamos colocar em bicos de pés.” Ou seja: mesmo fora da composição governativa, o Chega vai “ler o programa” e “analisar”.

Pelo caminho, o líder do Chega foi também mitigando as condições a partir do qual teria capacidade para exigir uma presença no governo. Se em julho do ano passado essa era uma exigência absoluta como contrapartida para apoiar um executivo do PSD, mais recentemente, em entrevistas ao Expresso e à Agência Lusa, Ventura disse que com menos de 7% dos votos não seria plausível fazer essa exigência. “Se tivermos 4% ou 5%, não vamos pedir presença no governo. É ridículo”, disse em entrevista ao Expresso.

Conclusão

A enumeração de argumentos é extensa mas permite perceber as várias fórmulas que André Ventura já usou para dizer o que fará depois de 30 de janeiro: exigir ministérios para integrar um governo; exigir determinadas mudanças na Justiça e na Segurança Social; chumbar tudo se ficar fora da equação de Rui Rio; analisar o programa e decidir se um governo PSD/CDS/IL merece os votos do Chega para seguir em frente.

Portanto, sim, entre eventos partidários, debates e entrevistas, André Ventura já recorreu a diferentes formulações e já traçou diferentes linhas vermelhas para o pós-legislativas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

IFCN Badge