A página de Facebook “O Bom Europeu” publicou uma imagem que remete para um artigo de 2017 da revista Le Point sobre uma suposta queda do quoficiente de inteligência (QI) dos franceses, manipulando-a de forma a atribuir esse problema à imigração naquele país.

É verdade que o Le Point publicou em 2017, tal como vários media franceses, uma notícia que remetia para um estudo que dava conta de uma queda de 3,8 pontos no QI dos franceses. O título do Le Point não deixava espaço para dúvidas: “O QI dos franceses está em queda livre”. Porém, ao contrário daquilo que a página de Facebook “O Bom Europeu” quer fazer passar, a notícia do Le Point não refere em parte alguma que esta quebra se deve à imigração em França.

Para tentar passar essa mensagem, a página de Facebook “O Bom Europeu” fez uma montagem do artigo (na qual não tem aliás qualquer link) e retirou-lhe a imagem original (em que aparecem quatro pessoas, aparentemente estudantes, desfocadas) e substituiu-a pela imagem de um francês afrodescendente — mais propriamente de Simon Worou, presidente da Câmara Municipal de Sainte-Juliette-sur-Viaur, uma pequena aldeia na região francesa da Occitânia.

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No artigo original, a fotografia escolhida pelo Le Point era outra, como se pode verificar.

Só por isso, pode afirmar-se que aquela imagem não respeita a notícia da Le Point. Mas também é verdade que no artigo não há qualquer menção à chegada de imigrantes a França como razão para a queda do QI em França. “Embora várias razões sejam avançadas pelos investigadores para explicar este declínio, é difícil avaliar de forma precisa o impacto dos fatores mencionados”, lê-se no artigo do Le Point.

Esta notícia foi, de resto, publicada por vários media franceses — como a BFMTV, o Libération ou o Le Dauphine, entre muitos outros. Muitos deles acabaram por se basear num artigo publicado no jornal Les Echos em janeiro de 2017 e cujo link já não está disponível.

Afinal, o que diz o estudo original?

Mas vale a pena ir ao estudo original. Publicado na revista científica Intelligence em 2015 (portanto, mais de um ano antes de o Les Echos ter publicado a notícia baseada nas suas conclusões), da autoria dos investigadores Edward Dutton e Richard Lynn, o estudo fala de uma queda de 3,8 pontos no QI dos franceses entre 1999 e 2009, com base num conjunto de testes feitos a 79 pessoas entre os 30 e os 63 anos.

Os autores estão longe de serem precisos quanto às causas desta queda. Aliás, mais do que apontarem causas, os autores referem quatro explicações para depois as rejeitarem como cientificamente válidas ou aplicáveis ao caso francês. As explicações referidas — e rejeitadas — no texto remetem para a nutrição, para o sistema educativo, tal como para a “associação negativa entre a inteligência e o número de crianças que  países economicamente desenvolvidos tiveram durante aproximadamente um século”. E, apesar de isso não ser referido nos artigos acima referidos no media franceses, o estudo menciona o fator da imigração.

Para referir esse fator, os autores não se baseiam em nenhum estudo referente ao caso francês. No caso dinamarquês (onde o serviço militar é obrigatório para todos os homens maiores de 18 anos e fisicamente aptos) foi determinado que o QI dos recrutas militares de origem dinamarquesa era de 100, ao passo que o dos imigrantes de fora da Europa era de 86,3 em média.

“É provável que estes imigrantes tenham tido um impacto na diminuição da média do QI da população [de recrutas militares]”, reconhece o estudo. Mas depois, admitindo que aquela é uma amostra pequena, acrescenta: “Mas restam várias dúvidas sobre se o aumento de imigrantes com QI mais baixos tenham tido um efeito generalizado e grande o suficiente [para baixar a média]”.

Além do caso dinamarquês, os autores referem ainda um estudo com recrutas militares na Noruega (onde o serviço militar é em teoria obrigatório, mas onde é relativamente fácil conseguir dispensa) em que a variação do QI entre os noruegueses e os imigrantes de fora da Europa levou a uma queda de apenas “0,1 a 0,2 pontos de QI”.

Além disso, no caso finlandês (onde também há serviço militar obrigatório), o QI médio dos recrutas caiu, apesar de haver um número “residual” de não-europeus naquele país elegíveis para o serviço militar obrigatório.

Finalmente, os autores recordam os dados referentes aos EUA, onde o aumento da imigração não teve “nenhum efeito de reversão” na subida do QI.

Conclusão

O post da página de Facebook “O Bom Europeu” é falso por duas razões.

A primeira, porque a imagem que partilha da notícia do Le Point não corresponde à verdadeira. Foi feita uma montagem, substituindo-se uma imagem genérica de estudantes pela imagem de um francês afro-descendente de forma a passar a ideia de que a queda do QI se deve à imigração naquele país.

A segunda razão pela qual se pode afirmar que o post é falso remete para as conclusões (ou falta delas) do estudo que dá origem à notícia do Le Point, ao qual no post da página de Facebook “O Bom Europeu” não faz menção. Nesse estudo, é contemplada a hipótese de a imigração prejudicar a média do QI.

Porém apenas num caso restrito (o dinamarquês) se registou uma queda da média do QI devido ao número de pessoas de origem não-europeia. O mesmo não aconteceu com os recrutas militares na Noruega e na Finlândia. Estes são, ainda assim, exemplos dificilmente extrapoláveis para o resto da população, já que não têm em conta potencialmente metade da população (na Finlândia e na Dinamarca o serviço militar obrigatório não abrange mulheres) nem aqueles que por motivos de saúde ou de outra ordem não chegam a ir à tropa.

Além disso, um estudo com a população geral (e não apenas recrutas militares) nos EUA já chegou à conclusão de que a imigração não levou à queda do QI — antes pelo contrário, ajudou a manter a sua tendência de crescimento.

Em suma, o post da página de Facebook “O Bom Europeu” é duplamente falso pela forma como se apresenta e pela ideia que sugere.

De acordo com a classificação do Observador este conteúdo é:

Errado

De acordo com o sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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