No final de julho circularam várias notícias que diziam que Manuela D’Ávila, antiga deputada do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e ex-candidata a vice-Presidente do Brasil, tinha fugido para a Europa. E, replicando a imagem de uma dessas notícias, a página de Facebook “Frente Anti-comunista Portuguesa” acrescentou mais elementos àquela narrativa, referindo que Manuela D’Ávila teria fugido para Portugal.

O rumor tem origem numa notícia falsa, publicada pelo site Notícias Brasil Online, com o título “Manuela foge para Europa após o depoimento do Hacker“. A partir daí, a página da “Frente Anti-comunista Portuguesa” juntou os seus próprios comentários. “A esquerdalha brasileira está infiltrada em Portugal”, lê-se, juntamente com um emoji triste. “Pior… Olha quem acabou de chegar na área…”, continua o post, já em alusão à fotografia da ex-deputada do PCdoB e ex-número dois de Fernando Haddad. Para rematar, a imagem conta ainda com outra legenda: “Este putedo agora vai todo parar a Portugal?”.

A verdade é que Manuela D’Ávila não só não fugiu para Portugal como não fugiu para a Europa — ainda que, de facto, entre o final de julho e o início de agosto, tenha feito um périplo no Velho Continente.

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timing das notícias falsas em torno da alegada fuga de Manuela D’Ávila para a Europa não foi despropositado.

No dia 26 de julho, Walter Delgatti Neto, o hacker que terá estado por detrás da fuga de mensagens comprometedoras entre a equipa da Operação Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro, disse à Polícia Federal que tinha conseguido o contacto do jornalista que denunciou aquela correspondência (Glenn Greenwald, co-fundador do Intercept Brasil) após ter abordado Manuela D’Ávila.

Ora, no dia em que esta notícia sai, já Manuela D’Ávila estava na Europa — a comprová-lo, uma fotografia publicada no seu Instagram, tirada no café-restaurante Elephant House, em Edimburgo, na Escócia.

Ainda a 26 de julho, já quase perto da meia-noite, a ex-deputada publicou um esclarecimento no seu Facebook, onde confirmava que a 12 de maio tinha sido contactada por um hacker (sem, no entanto, confirmar que tinha sido Walter Delgatti Neto) e que, a pedido deste, o reencaminhou para Glenn Greenwald.

NOTA À IMPRENSA Tomando ciência, pela imprensa, de alusões feitas ao meu nome na investigação de fatos divulgados…

Posted by Manuela D'Ávila on Friday, July 26, 2019

Apesar de Manuela D’Ávila ter chegado à Europa antes de ter sido publicada a notícia de que o hacker Walter Delgatti Neto a tinha contactado, isso não impediu que vários sites de notícias falsas ou de desinformação escrevessem que a ex-número dois de Fernando Haddad se tinha “auto-exilado” na Escócia ou então simplesmente a sugerirem: “Fugiu para a Europa?”.

A ser verdade que Manuela D’Ávila tinha fugido para a Europa — o que é falso, como veremos —, esta decisão não seria a primeira a ser tomada por personalidades da esquerda brasileira. Em janeiro, pouco depois de ter tomado posse como deputado, Jean Wyllys, do PSOL, renunciou ao mandato e foi viver para Berlim. À Folha de S. Paulo, referiu que Jair Bolsonaro sempre o “difamou” e “insultou de maneira aberta”, muitas vezes de forma homofóbica. “Esse ambiente não é seguro para mim”, disse. Desde que se auto-exilou em Berlim, Jean Wyllys já esteve em ações públicas em Portugal, por pelo menos duas ocasiões distintas.

Mas o caso de Jean Wyllys não é o de Manuela D’Ávila, como a própria tentou deixar claro em diferentes ocasiões.

À altura dos primeiros rumores, Manuela D’Ávila reagiu no Twitter, dizendo que já estava fora do Brasil desde 23 de junho (isto é, mais de um mês antes da confissão do hacker) e que os bilhetes tinham sido comprados em fevereiro — até porque, explica, se tinha matriculado num curso de inglês, que fez em Edimburgo. Em declarações ao Estado de S. Paulo, um dos advogados de Manuela D’Ávila, Alberto Toron, disse que a ex-deputada tinha saído do Brasil a 23 de junho “para fazer um curso na Universidade de Edimburgo”.

Grande parte da estadia de Manuela D’Ávila na Europa acabou por ser em Lisboa, onde chegou a participar em sessões na Casa Ninja Lisboa, um coletivo da extrema-esquerda brasileira que abriu recentemente um centro na capital portuguesa.

Num artigo publicado pela Sputnik Brasil a 11 de agosto, a ex-deputada do PCdoB desmentia os boatos de ter fugido para a Europa: “Eu organizei isso [a viagem] há mais de seis meses e agora devo voltar [ao Brasil], em três dias, para fazer o lançamento do meu livro. Está nos detalhes finais. É um livro sobre feminismo para jovens mulheres”.

A 13 de agosto, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou endereçar um convite a Manuela D’Ávila para dar explicações sobre o seu contacto com o hacker por detrás da fuga de mensagens noticiada pelo The Intercept. O convite foi aprovado com os votos dos partidos que apoiam o Presidente Jair Bolsonaro, mas também da oposição.

Em reação, Manuela D’Ávila disse estar “à inteira disposição para auxiliar no esclarecimento dos fatos em apuração”. “Estou, por isso, orientando os meus advogados a procederem a imediata entrega das cópias das mensagens que recebi pelo aplicativo Telegram à Polícia Federal, bem como a formalmente informarem, a quem de direito, que estou à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o ocorrido e para apresentar meu aparelho celular à exame pericial”, disse.

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Enquanto isso, nas redes sociais, Manuela D’Ávila já se fez fotografar em São Paulo (onde passou pouco tempo, referindo num comentário que foi “só um sopro”) e também com a sua família (além do marido e da filha, com quem viajou para a Europa), que vive em Porto Alegre. Manuela D’Ávila, que fez anos este domingo, 18 de agosto, passou o dia com os seus familiares.

Assim, o facto é que Manuela D’Ávila foi — mas não fugiu — para a Europa. Além disso, a sua partida para a Escócia antecedeu quaisquer notícias sobre o seu contacto com o hacker. Por fim, Manuela D’Ávila não só acabou por regressar ao seu país, como aceitou prestar declarações sobre o caso do hacker na Câmara dos Deputados. Assim sendo, as notícias de que Manuela D’Ávila tinha fugido para Portugal em específico, ou para a Europa em geral, são falsas.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook e com base na proliferação de partilhas — associadas a reportes de abusos de vários utilizadores — nos últimos dias.

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