É impossível desistir quando um filho está em risco |
Há uma semana, uma família pediu ajuda nas redes sociais para tentar salvar o filho. O Tomás tem uma leucemia mieloide aguda muito agressiva e o único tratamento que pode curá-lo é um transplante de medula da irmã mais nova, que é 100% compatível. Por vezes, encontrar um dador compatível é um quebra-cabeças e esse o Tomás já conseguiu resolver. Mas a vida deste pequeno guerreiro de 11 anos tem-lhe pregado demasiadas partidas. Além de já lutar contra esta doença há um ano e meio, agora que já estava em remissão e com data de transplante marcada, a doença voltou. E, sendo assim, nada feito. Não é possível fazer-se o transplante. |
O IPO, que tem tratado o Tomás muito bem, já não pode ajudar mais, e sugeriu que se passasse aos cuidados paliativos. O que significa… desistir. Mas, como assim desistir de um filho? Como se pode baixar os braços enquanto houver, nem que seja, 0,1% de hipóteses? Ou até mesmo zero por cento? Quantas pessoas já ouviram dizer que não tinham salvação e, sem que nem a Ciência consiga muito bem explicar como, acabaram a salvar-se? |
E, havendo um lugar onde a esperança existe, quaisquer pais se viram do avesso para que não lhes aconteça aquilo que não devia, não podia nunca acontecer a uns pais: perder um filho. E esse lugar é Israel, onde um hospital tem experiência em casos bicudos como este, com a terapêutica que usa o sistema imunitário dos doentes para combater a leucemia, sem a toxicidade da quimioterapia. São as CAR-T Cells, que já resultaram no passado com o Tomás. A ideia da família, quando pediu os donativos, era então levar o filho a Israel para fazer a terapêutica e, de seguida, o transplante. Para isso, precisavam de 350 mil euros. E em quatro dias – quatro! – conseguiram a verba necessária, graças a uma partilha massiva do pedido, que comoveu o país. |
A newsletter de hoje é sobre esta e outras famílias, sobre isto de se ter a vida ao contrário, sobre o precipício de poder ver a vida a escapar-se de um filho, antes de se nos escapar de nós, pais, tal como devia ser, tal como sempre nos disseram que seria. Tenho poucas certezas, mas esta tenho: não deve haver nada mais absolutamente aterrorizador do que sentir que se pode perder uma parte de nós, a melhor parte de nós. |
Vou agora dar uma volta ao texto, que parece não ter muita ligação com o tema, mas no final perceberão que até tem: há umas semanas, o meu médico fez-me uma ecografia e viu um quisto que não lhe agradou, num dos meus ovários. Ele bem fez uma cara feia, mas eu não percebi logo. Foi só quando vi o resultado das análises que me mandou fazer, e percebi que ele tinha pedido para verificar o nível dos biomarcadores oncológicos que pensei: “tu queres ver?” |
Depois, quando o resultado chegou, e estava elevado, senti que me tiravam o chão. A primeira coisa em que pensei? Nos meus filhos, claro. Sobretudo no mais novo, ainda tão pequenino, tão ligado a mim. |
Afastei os pensamentos, afinal, podia não ser mais do que um susto, e não adianta muito sofrer por antecipação (há quem consiga fazer isto com mestria, não é bem o meu caso). Em poucos dias, estava a entrar para dentro de uma máquina de ressonância magnética, vestida com uma bata azul, a tremer da cabeça aos pés, e a ver o filme da minha vida passar-me diante dos olhos (não é elaboração literária, até um pato que tive na infância apareceu, inusitadamente, na minha memória). |
O resultado acabou por ser um alívio imenso: trata-se de um quisto grande, que temos de vigiar, e possivelmente remover, mas até ver não é maligno, e a espada de Dâmocles saiu, pelo menos para já, de cima da minha cabeça. |
E que ligação tem esta história ligeirinha com a tenebrosa aflição dos pais que buscaram ajuda para salvar o seu filho? Tem esta: se aquele medo me paralisou em alguns momentos, se me fez pensar na existência, se me levou a abraçar os meus filhos com mais força… o que seria se fosse ao contrário? Tenho a certeza de que a esmagadora maioria dos pais e mães trocaria sem pestanejar uma doença grave dos seus filhos por um mau diagnóstico pessoal. Pensei nisso muitas vezes: se isto que aqui tenho dentro for mau vai ser uma angústia dos diabo. Tudo menos isso. |
Julgo que é isto que podemos responder, quando alguém que não tem filhos pergunta exatamente o que se sente, que amor é esse, que ligação é essa? É trocarmos a nossa vida pela deles, sem pensar meia vez, um quarto de vez, ainda que amemos desesperadamente a vida, ainda que só a ideia de ter de morrer nos doa em cada uma das células. Se no outro prato da balança estiver um filho, não há um segundo de hesitação. |
E é por isso que os pais do Tomás, assim como tantos outros, não desistem. Não atiram a toalha ao chão. Não param. Não aceitam um “não” como resposta. Não têm embaraços na hora de pedir, ainda que nunca tenham tido necessidade de pedir, ou ainda que sempre tenham sido orgulhosos para pedir fosse o que fosse. Simplesmente não está em cima da mesa deixar de lutar por quem se ama tanto. |
E agora, as redes sociais. Odiadas por tantos, consideradas um lixo, um veículo de vaidade, de futilidade, de vazio. Injuriadas por serem espaço de promoção de marcas e egos, de imagens de perfeição que chocam de frente com a imperfeita realidade, por serem transmissores de notícias falsas, por serem lugar privilegiado para burlas, fraudes, esquemas. Por serem muitas vezes ponto de encontro de ódios e frustrações, e filtros e jogos estúpidos que levam adolescentes à morte. |
Não escamoteio nenhuma das questões anteriores. Sei que há muito do que descrevi nas redes. Mas depois há o resto, de que se fala pouco quando é tempo de falar nas redes sociais: há comunidades criadas graças às redes (eu própria tenho um clube de leitura mensal em Lisboa e outro no Porto, há seis anos, que começou por um convite feito nas redes – e hoje somos dezenas de pessoas que mantêm relações de amizade e cultivam o amor pelos livros). Há quem faça coisas bonitas, solidárias, interessantes. Há artistas que, de outro modo, não fariam a sua arte chegar tão longe. E depois há a solidariedade, a compaixão, a empatia. E depois há os pais do Tomás que podem (espero tanto que consigam ) salvar o seu filho graças à união de todos, nas redes sociais. |
Penso sempre na canção de Chico Buarque, Geni e o Zepelim, quando vejo o modo como alguns insistem em falar das redes sociais. Por mais que elas sirvam para verdadeiros “milagres” que podem fazer a diferença entre a vida e a morte (e a indiferença, tantas vezes), no final, acaba sempre tudo a “jogar pedra na Geni”, destacando o mau, obnubilando o bom. |
Por último, gostava só de referir a generosidade nacional, que não sei se é mais significativa em Portugal do que no resto do mundo. Uma coisa é certa: são muitas as vezes em que se enaltece, à boca cheia, a mobilização de que os portugueses são capazes quando são chamados a ajudar. Não sei se somos mais do que os outros, ou se é só a nossa tendência pequenina de encontrarmos algo em que sejamos melhores, mas emociono-me sempre que constato que há mais um lugar-comum que é verdadeiro e tem toda a razão para existir: juntos somos mesmo mais fortes. |
Tomás, estamos contigo. Que venças mais esta batalha e que ganhes, por fim, a guerra. |
Vale a pena… |
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Um festival internacional de fotografia e vídeo de viagem e aventura. Um evento com um painel de oradores que trabalham regularmente com publicações como a National Geographic, Time Magazine, entre outras, mas também com muitos outros nomes do mundo mediático, comercial e empresarial. O evento começou ontem, mas prolonga-se até domingo, no Centro de Congressos de Aveiro. |
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Um livro cheio de receitas saborosas inspiradas nos filmes de Harry Potter. Desde Pãezinhos-Relâmpago, a Espadas de Gryffindor de Bolacha e Tiras Salgadas Nimbus 2000… há neste livro mais de quarente delícias, incluindo receitas sem glúten, sem frutos secos e veganas.
(Ed. Presença) |
Ir ao Perlim, em Santa Maria da Feira |
Um parque temático de Natal em Santa Maria da Feira, com vários divertimentos para toda a família, num espaço que é mágico. Os habitantes deste mundo inventado, Perlim e Pim Pim são os duendes gémeos que deram nome ao parque e começaram a história que encanta todos os que o visitam. O mês do Natal passou a ser especial em Santa Maria da Feira e vale mesmo a pena passar por lá. |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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