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A guerra na Ucrânia já dura há 42 dias. Mas, em Bruxelas, os líderes políticos da União Europeia continuam um debate intenso, e pouco unânime, sobre a capacidade de impor sanções realmente eficazes à Rússia como retaliação pela invasão da Ucrânia. |
A discussão intensificou-se nos últimos dias, depois de o mundo se chocar com as imagens chegadas de Bucha, uma cidade nos arredores de Kiev recentemente recapturada pelas forças ucranianas: centenas de cadáveres de civis foram encontrados nas ruas e jardins, com marcas de tortura, e uma enorme vala comum teve de ser construída para acolher os corpos das vítimas do massacre, inicialmente estimadas em mais de 400. O rasto de morte deixado pelos russos em Bucha deu origem a uma onda de comoção em todo o mundo. A União Europeia anunciou uma investigação aos crimes de guerra ali cometidos pelos russos, António Guterres também pediu um inquérito independente e o Ocidente subiu o tom da condenação a Moscovo — que nega categoricamente estar na origem do massacre, apontando o dedo a alegadas “encenações” e “provocações” ocidentais. |
O massacre de Bucha, transformado num símbolo da ofensiva russa contra a Ucrânia, levou também a comunidade internacional a pôr em cima da mesa a possibilidade de impor mais sanções contra a Rússia. |
Esta terça-feira, a União Europeia avançou com um novo pacote de sanções — o sexto — contra Moscovo. Bruxelas decidiu banir a importação de carvão russo, impondo um embargo a um setor da economia que representava, até aqui, uma receita de cerca de 4 mil milhões de euros anuais para os cofres russos. No anúncio das novas sanções, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, garantiu que Bruxelas está a discutir a aplicação de sanções adicionais contra Moscovo, incluindo contra as importações de petróleo russo. Contudo — e perante as resistências de Bruxelas em avançar com um corte na importação de petróleo russo —, a grande expectativa continua a ser a de que a União Europeia imponha sanções às importações de gás natural da Rússia. |
A imposição de sanções à Rússia é um processo delicado, porque obriga os líderes europeus a ponderar o impacto de uma medida na Rússia, mas sem esquecer o impacto que a mesma medida terá nos seus próprios países. Por outras palavras, que preço estão os países europeus dispostos a pagar em nome da penalização da economia russa? A resposta não é unânime dentro do bloco europeu — e o gás natural é a principal razão dessa falta de unanimidade. |
Efetivamente, o abastecimento de energia dentro da União Europeia continua profundamente dependente do gás natural da Rússia. Este combustível representa mais de 20% do consumo de energia dentro da UE e a Rússia é uma das principais fontes: dos cerca de 155 mil milhões de metros cúbicos de gás natural que a UE importa todos os anos, cerca de 40% são comprados à Rússia. A relação de dependência é assinalável. Por um lado, cortar definitivamente com o gás natural russo seria romper uma importantíssima fonte de receitas do Estado russo (só em 2021, a UE pagou 99 mil milhões de euros à Rússia por energia, maioritariamente petróleo e gás natural, e as exportações de gás e petróleo representam cerca de 39% do orçamento federal russo); por outro lado, uma medida dessas teria um grande impacto no abastecimento de energia da União Europeia, para o qual muitos dos Estados-membros não estão preparados. |
O gás natural é amplamente classificado como o “combustível da transição“. Na impossibilidade de transitarem de imediato para uma produção elétrica 100% renovável, muitos países estão a procurar assegurar a estabilidade do abastecimento energético durante o período de transição com recurso ao gás natural, uma vez que permite a produção de eletricidade emitindo metade do dióxido de carbono em relação a combustíveis como o carvão. Um caso paradigmático é o da Alemanha, que deverá encerrar até ao final deste ano as últimas três centrais nucleares que ainda tem em funcionamento, ficando ainda mais dependente de outras fontes de energia, primordialmente o gás natural russo. |
A Alemanha está particularmente dependente do gás natural russo. Em 2021, a queima de gás natural representou 15,3% da produção de energia na Alemanha; além disso, o gás natural é essencial para o aquecimento de cerca de 20 milhões de casas no país. Por esse motivo, a Alemanha foi o país que mais resistiu à ideia de suspender a entrada em funcionamento do novo gasoduto Nord Stream 2 como sanção à Rússia pela invasão da Ucrânia. A suspensão do gasoduto acabou por avançar, mas as sanções europeias à Rússia continuam a deixar de fora o gás e o petróleo, o que tem merecido à União Europeia duras acusações de continuar a financiar a máquina de guerra de Putin — uma crítica feita inclusivamente a partir de dentro, pelo chefe da diplomacia europeia. |
Em resposta aos apelos para que se cortem as importações de gás natural russo, a União Europeia está a preparar o caminho para essa possibilidade. No final de março, Bruxelas e Washington chegaram a acordo para aumentar as importações de gás natural norte-americano para a União Europeia, com o objetivo de diminuir a dependência do gás russo. Ainda assim, comprar gás aos EUA não vai chegar para suprir todas as necessidades do continente europeu, e Bruxelas vê-se confrontada com uma questão fundamental: mesmo que seja possível comprar o gás natural a outros produtores, incluindo os EUA e países do Norte de África e Médio Oriente, como o Qatar, como fazer chegar à Europa o gás oriundo de países com os quais não existem ligações diretas por gasoduto, como no caso russo? |
É possível encontrar algumas respostas num artigo assinado por Ana Suspiro e publicado esta semana no Observador. A principal alternativa ao gás russo — que chega diretamente ao continente europeu através de uma rede de gasodutos por terra e mar — é o gás natural liquefeito, conhecido pela sigla GNL. Trata-se de gás natural que é arrefecido até temperaturas muito baixas, perto dos -160ºC, para que atinja o estado líquido e possa ser transportado por via marítima em navios próprios para o efeito. À chegada ao porto de destino, o produto é reaquecido, convertido novamente em gás e injetado na rede de gasodutos. O problema? A capacidade da Europa para receber GNL, que implica a existência de estruturas específicas nos portos, é muito baixa e está totalmente ocupada. A alternativa poderá ser o recurso a terminais flutuantes, que são caros e, sobretudo, muito raros. |
Além disso, no meio dos esforços para substituir o gás russo, os planos europeus para a transição energética arriscam-se a sair furados: recorrer ao GNL não só é mais caro como implica uma pegada ecológica consideravelmente maior, devido ao potencial de emissões de metano para a atmosfera. Na edição de março, esta newsletter lançava uma questão central: num mundo afetado por prioridades urgentes, como guerras e pandemias, o clima poderá alguma vez ser uma prioridade? Mais uma vez, a necessidade de responder à urgência da guerra deixa em evidência a grande dificuldade em conciliar os interesses de longo prazo com as exigências do imediato. |
Um alerta dos cientistas no meio do caos da guerra |
Praticamente obliterada pelo caos da guerra e pelas notícias sobre o massacre de Bucha, a terceira e última parte do mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) sobre as alterações climáticas foi publicada esta segunda-feira e trouxe um novo alerta dos cientistas que aconselham a ONU nos assuntos do clima: ainda é possível cumprir as metas do Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a 1,5ºC até ao fim do século, mas é preciso agir já. Concretamente, o planeta tem três anos para impedir que as metas de Paris sejam ultrapassadas. |
De acordo com o relatório, os prazos são claros: se o mundo quiser mesmo cumprir a meta primordial de Paris e limitar o aquecimento global a 1,5ºC até ao fim do século, as emissões de dióxido de carbono têm de atingir o ponto máximo antes de 2025, cair 43% até 2030 e 84% até 2050. Mesmo um objetivo menos ambicioso é altamente complexo. Para que o aquecimento global não exceda os 2ºC, as emissões têm de baixar em 27% até 2030 e em 63% até 2050. De que o planeta vai chegar aos 1,5ºC de aquecimento em relação aos níveis pré-industriais já poucos duvidam: atualmente, o mundo já aqueceu 1,1ºC em relação a essa média, as temperaturas continuam a subir e há danos que já são irreversíveis. |
Esta inevitabilidade torna provavelmente o documento agora divulgado na parte mais importante deste relatório, publicado regularmente pelo IPCC com o objetivo de sintetizar o conhecimento mais atual sobre o clima em mudança. A primeira parte, publicada em agosto do ano passado, debruçou-se sobre os fundamentos científicos das alterações climáticas e concluiu que a ação humana tem sido a grande responsável pelo aumento da temperatura do planeta. A segunda parte, divulgada em fevereiro deste ano, refletiu sobre as consequências do aquecimento global e revelou que quase metade da população humana está “muito vulnerável” aos efeitos trágicos da mudança climática. Mas é nesta terceira parte que os cientistas do IPCC discutem as medidas que o planeta deve adotar para mitigar, na medida do possível, os efeitos das alterações climáticas. O Observador resume as mais de 3.600 páginas do relatório neste pormenorizado artigo de Rita Pereira Carvalho. |
No entanto, o relatório do IPCC tem de ser lido com as devidas cautelas, uma vez que a guerra na Ucrânia já transformou radicalmente o mundo, como escrevem esta semana no The Conversation os académicos Myles Allen e Hugh Helferty: “O novo relatório IPCC da ONU sobre a mitigação das alterações climáticas diz que é necessária uma redução imediata e profunda para limitar o aquecimento global, bem como a remoção do dióxido de carbono da atmosfera no futuro. Ao mesmo tempo, os governos mundiais estão a pedir às empresas de combustíveis fósseis que explorem mais petróleo e mais gás, o mais rapidamente possível, para compensar as sanções contra a Rússia. O que se passa?” |
Allen e Helferty recordam que estes relatórios do IPCC se baseiam na análise de centenas de estudos científicos sobre o clima publicados até uma determinada data — neste caso, outubro de 2021, bem antes da invasão da Ucrânia. “Desde então, os preços da maioria dos combustíveis fósseis mais do que duplicaram”, escrevem. Não há dúvidas de que o mundo é outro e de que a questão energética está em cima da mesa como em poucos momentos da história recente. “Se queremos limitar o aquecimento global a 1,5ºC, este é o momento, é agora ou nunca”, disse esta semana o vice-presidente do IPCC, Jim Skea, na apresentação do relatório. A guerra na Ucrânia, devastadora a todos os níveis, surge também como oportunidade para um reforço das políticas climáticas. Aumentar o investimento nas energias renováveis permite reduzir simultaneamente as emissões poluentes e a dependência energética em relação à Rússia, ajudando a Ucrânia no imediato e o planeta a longo prazo. |
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Gás Natural
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A Europa está à procura de navios que são também terminais flutuantes de GNL. O gás natural liquefeito é a alternativa ao gás russo que chega de gasoduto. Mas é mais caro e produz mais emissões.
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Outras notícias
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Sismo
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Rui estava em La Palma na última explosão, Vittorio descobriu sinais perdidos da erupção de 1808. Fomos com vulcanólogos aos lugares onde uma nova erupção vulcânica pode brotar em São Jorge.
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Fotogaleria
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O Coliseu de Roma quase engolido pela areia, a Estátua da Liberdade a afundar-se e o Arco do Triunfo no fundo do mar. Artista digital faz exercício futurista sobre o efeito das alterações climáticas.
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Ambiente
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Vai pedalar cerca de três mil quilómetros em dois meses, a uma média de 40 a 50 quilómetros por dia. Alemão não anda de bicicleta há três anos e de plásticos, só terá uma garrafa de água reutilizável.
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Divulgação de Ciência
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O movimento exige no manifesto que os governos reajam e tomem medidas reais, "integrando as instruções do consenso científico como objetivos vinculantes de transformação".
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Água
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Segundo dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, as bacias de Barlavento, com 14,9%, e Lima, com 17,7%, continuam com quantidade de água muito abaixo da média no final de março.
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Ambiente
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A associação ambientalista Zero lamentou que a sustentabilidade não integre todas as decisões do programa de Governo.
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Coronavírus
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Em 2020, a maior parte da população em zonas urbanas da UE foi exposta a níveis de poluição "lesivos para a saúde". A Bulgária e a Sérvia estão entre os países com níveis de poluição mais elevados.
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O que se escreve no mundo
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O que se faz no país
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