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Podia não parecer o melhor começo de conversa para um convite de entrevista. |
Em setembro de 2020, a jornalista Helena Garrido, colunista do Observador, escreveu um artigo de opinião sobre os grandes devedores com quem os bancos perderam milhões de euros e que, ainda assim — lembrando a gargalhada de Joe Berardo —, podiam continuar a rir e a exibir a sua riqueza. Menos de um mês depois, a reação de uma das pessoas referidas no artigo chegava em forma de direito de resposta. Neste texto, Nuno Vasconcellos, fundador da Ongoing, dizia-se “vítima de uma mentira que, repetida mil vezes, acabou sendo vista como verdade”. |
Perante o conteúdo e as explicações dadas por Vasconcellos nesse texto — e com a comissão de inquérito ao Novo Banco no horizonte —, a Ana Suspiro, grande repórter do Observador, e a Helena Garrido começaram a discutir a oportunidade de pedir uma entrevista ao empresário, que nunca tinha falado sobre a ruína da Ongoing. Pelos contactos iniciais com o gabinete de Vasconcellos no Brasil, onde agora vive, perceberam que havia abertura do outro lado. Mas a entrevista propriamente dita, como a Helena e a Ana perceberiam entretanto, ainda estava longe — mais concretamente, a nove meses de distância. |
O agravamento da pandemia no Brasil e em Portugal — que levou, aliás, ao adiamento do arranque das audições da comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco — fez com que a ideia ficasse suspensa até março deste ano, altura em que, com o começo dos trabalhos na Assembleia da República, se percebeu que os grandes devedores iam mesmo ser ouvidos. A oportunidade renovava-se e tudo parecia encaminhado: no dia 9 desse mês chegou o primeiro “sim” de Nuno Vasconcellos; seis dias depois, a entrevista estava apontada para o final de março, com sugestões de datas e horários enviadas à assessora do empresário. |
Do outro lado, porém, voltou o silêncio — que só seria quebrado, já em abril, pelo próprio Vasconcellos: “As coisas aqui no Brasil estão muito feias…”, explicou, numa referência à Covid-19, reafirmando a vontade de dar a entrevista, “mas o momento até agora não seria o melhor”. |
Foi preciso que chegasse maio e que acontecesse a polémica audição no parlamento, interrompida antes do tempo pelos deputados, para a conversa voltar a estar em cima da mesa. E depois ainda foi preciso que passasse a audição do antigo sócio de Nuno Vasconcellos, Rafael Mora, para que a entrevista fosse marcada — o empresário não queria falar antes de ouvir o que Mora ia dizer no Parlamento. E, com tudo isto, chegou mais uma data: 29 de junho, ao meio dia, hora de Lisboa. |
O dia marcado não é irrelevante: nessa manhã, Joe Berardo, grande devedor da Caixa Geral de Depósitos, enchia as notícias por ter sido detido numa investigação que visaria outros bancos e outros devedores — e que poderia também condicionar as respostas de Vasconcellos. |
É fácil perceber porque é que, até a imagem do ex-líder da Ongoing aparecer no ecrã da chamada de vídeo, a partir de São Paulo, ninguém tinha a certeza de que a entrevista iria mesmo acontecer. Mas aconteceu — e não foi curta. |
Ao longo de quase duas horas — acompanhadas, a pedido do entrevistado, por um seu conselheiro a partir do Brasil e um assessor aqui em Portugal — foram várias as declarações surpreendentes e alguns os momentos desconcertantes. A dado momento, Nuno Vasconcellos interrompe uma resposta que parecia ir num sentido, sobre se os fundos geridos pela Ongoing no Luxemburgo com dinheiro do Novo Banco e da PT tinham ido parar a empresas do grupo. Quando retoma a conversa, explicando que tinha atendido um telefonema, é categórico ao afirmar que não. |
E quando se falava sobre a insolvência do Diário Económico em Portugal, Vasconcellos decide dirigir-se à Ana Suspiro como se ela fosse uma das lesadas, entre os vários trabalhadores que ficaram com salários por pagar. Feito o esclarecimento — não foi —, a conversa prosseguiu. |
“É ponto de honra voltar a Portugal e pagar cada tostão às pessoas”. E aos bancos? “Os bancos são os bancos”, acabaria por ser o título de uma grande entrevista que vale mesmo a pena ler, ver ou ouvir. |