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É um ritual demorado e minucioso: primeiro é preciso retirar todos os adornos, como relógios ou anéis, e apanhar o cabelo; depois veste-se a túnica e as calças descartáveis e põem-se os cobre-sapatos. De seguida desinfetam-se as mãos, antes de vestir a bata e colocar a máscara FFP2; e, no passo seguinte, são colocados os óculos e a touca. O processo está quase concluído: por esta altura falta apenas desinfetar novamente as mãos para, finalmente, vestir as luvas por cima do punho da bata. |
É assim sempre que alguém tem de entrar nas unidades de cuidados intensivos do Hospital de Santa Maria — e o processo inverso tem de ser repetido à saída. |
Nas primeiras vezes que tiveram de o fazer, a Catarina Santos, editora da equipa Multimédia, o João Porfírio, editor de Fotografia, e o Pedro Jorge Castro, diretor-adjunto do Observador, foram guiados por enfermeiras que lhes davam instruções a cada passo, com a ordem específica pela qual deviam vestir cada um dos elementos de proteção, lembrando-os de desinfetar as mãos nos momentos certos. Só depois podiam começar a trabalhar nos locais com doentes infetados, com ligeiras diferenças no equipamento consoante fossem cuidados intensivos, enfermarias ou o Covidário, a urgência de doentes infetados ou com sintomas suspeitos. |
Foi por estas três zonas que a equipa de jornalistas do Observador andou durante 85 horas, ao todo, em novembro e dezembro, em pleno pico da pandemia e em dias consecutivos com os cuidados intensivos esgotados, sem vagas. O resultado é um trabalho especial por duas razões: pela profundidade da visão que traz aos leitores e pelo formato multimédia, que nos transporta para aqueles mesmos corredores e salas. |
Começou com um pedido do João Porfírio ao assessor de imprensa do Santa Maria, Pedro Marques, para fazer reportagem no hospital. Depois de o pedido ter sido aceite, arriscámos propor um plano mais ambicioso: em tempo, em acesso e em meios. Pedimos para nos deixarem acompanhar o combate à Covid-19 nos vários serviços envolvidos, para entrevistar diretores de serviço, coordenadores, médicos, enfermeiros, assistentes operacionais e doentes, e para nos deixarem registar tudo em foto, áudio e vídeo. |
A resposta foi “sim”. |
O primeiro dia até teve um pequeno sobressalto — que sublinha o cuidado que todos têm com o risco de contágio. Os jornalistas do Observador equiparam-se com tudo o que receberam para se protegerem, por cima da roupa que traziam, e, no fim, depois de terem passado a noite no Covidário — onde estavam 26 doentes infetados ou suspeitos —, uma das auxiliares estranhou estarem apenas com uma bata por cima da roupa, em vez de terem vestido por baixo uma farda. O problema punha-se porque estavam a sair de um espaço com infetados, podendo haver o risco de contaminarem alguém cá fora. O João Porfírio chegou a temer ter de sair do Covidário sem roupa, mas, depois de grande hesitação entre enfermeiros e auxiliares, lá os tranquilizaram e explicaram os cuidados que deveriam ter com a roupa quando chegassem a casa. A partir daí, Catarina, João e Pedro passaram a levar mudas de roupa para trocar à saída, mas até nem foi preciso: nos dias seguintes, de cada vez que entraram em espaços com infetados deram-lhe fardas para usarem. |
Além do acompanhamento do trabalho nas três áreas dedicadas à Covid-19, e fora as conversas menos formais, gravaram 56 entrevistas. E, claro, quando se faz reportagem num hospital é sempre preciso contar com imprevistos. Logo no segundo dia, um interno de anestesiologista, João Valente Jorge, estava precisamente a dar uma entrevista quando foi chamado a meio para uma urgência: tinha acabado de dar entrada no hospital uma mulher baleada na cabeça, num crime passional em Peniche. Para ir coordenar o socorro à vítima, o médico deixou imediatamente a equipa de reportagem, que, do lado de fora da sala de emergência, acabou, ainda assim, por ouvir os diálogos da intervenção — o microfone de lapela continuou ligado —, incluindo a estranheza dos outros profissionais de saúde com a presença dos jornalistas: |
— Porque é que estão ali com câmaras de filmar?”
— São jornalistas do Observador, com as autorizações todas. Eles vêm atrás de nós, está bem? Só para vocês saberem. |
Logo depois, no elevador, outro dos profissionais de saúde que acompanhava o anestesiologista e a doente mostrou-se constrangido por ter sido fotografado no corredor. João Valente Jorge tranquilizou-o: “Eles não mostram os doentes, só nos mostram a nós. Mas vão continuar cá a semana toda“. |
No conjunto de reportagens que o Observador começa a publicar no domingo também estão, claro, doentes. Alguns de quem os jornalistas estiveram mais próximos, mas também outros, vistos apenas à distância. Numa enfermaria em que não puderam passar a linha vermelha que separa a zona de infetados, um doente lá ao fundo, do outro lado do vidro, a cerca de dez metros de distância, começou a fazer com as mãos o símbolo do coração para câmaras da Catarina e do João. Para não terem de se equipar mais uma vez — desperdiçando equipamentos de proteção individual —, a equipa de reportagem pediu ajuda ao coordenador da unidade, Patrício Aguiar, e estabeleceu comunicação pelo walkie talkie de uma enfermeira que estava lá dentro e que o entregou ao doente. A curta conversa permitiu perguntar se autorizava que fossem usadas imagens suas sem desfocar o seu rosto (só são publicadas imagens a identificar os doentes que o autorizaram expressamente), pedir o contacto e combinar que, no dia seguinte, a equipa lá estaria para registar o momento em que teria alta. Em resposta, de novo, gestos muito expressivos — e um fixe com os dedos para a lente fotográfica do João. |
É uma das quatro mil fotos que o João Porfírio tirou nas tais 85 horas passadas no Hospital de Santa Maria. No fim da primeira seleção de fotografias a serem publicadas, ficou com 285. As reportagens vão mostrar cerca de 80. |
A Catarina filmou 931 gigabytes de vídeo. Entre testemunhos e imagens do funcionamento dos serviços, a edição que fez das imagens torna-nos ainda mais próximos do dia a dia no interior do hospital, também por causa do trabalho do Alex Santos, que fez o web design e o desenvolvimento dos especiais a publicar, com animações surpreendentes nas aberturas, a misturar fotografia e vídeo e a garantir uma coerência e interligação harmoniosa entre os blocos multimédia, as infografias e os textos do Pedro. |
Creio que, quando vir estas reportagens, vai concluir que o Alex conseguiu cumprir os seus dois objetivos: enriquecer a leitura das reportagens e garantir uma experiência tranquila ao leitor, sem elementos supérfluos e distrativos. |
São, no total, quatro trabalhos especiais, que começam a ser publicados no domingo e até quarta-feira: |
- o primeiro centra-se nos dilemas do pico da pandemia, entre a vida e a morte;
- o segundo tem as histórias dos profissionais infetados com o vírus;
- o terceiro parte das últimas chamadas dos doentes antes de serem entubados e mostra o que acontece nos cuidados intensivos;
- e o quarto foca-se na morte dos doentes com Covid-19.
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Cada um dos trabalhos vai estar também na Rádio Observador, com os sons das reportagens, algumas das entrevistas e os relatos dos jornalistas. Não perca. |
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