A poucos dias do 1.º de Dezembro e a um mês do fim do mandato da actual Direcção da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, é oportuno avaliar quanto valemos, assim como a missão que nos justifica.

Nascemos há 162 anos, impulsionados por um punhado de burgueses, intelectuais e políticos que se auto-motivaram a agir por Portugal no plano cívico e da cultura, em resposta a um surto de iberismo que soprava em Madrid. Faziam-no, como expressamente manifestaram, nesse Portugal de 1861, sem hostilidade a Espanha – até com respeito –, mas, sem sombra de ambiguidade, nem hesitação, em quartos separados. Escolheram como referência o 1.º de Dezembro e, sem surpresa, esse punhado fixou-se em 40 patriotas, desde os pouco mais de 20 que firmaram a primeira acta aos outros que se juntaram para subscrever o Manifesto: “o povo português, seguro da sua existência nacional, e cônscio dos imprescritíveis direitos em que ela assenta” – e o patriótico texto prosseguia. O primeiro nome a assinar é Alexandre Herculano. Gente ilustre.

A denominação inicial, que durou até aos anos 20 do século passado, foi Comissão Central 1.º de Dezembro de 1640. Entrou logo a celebrar anualmente esta data, que ainda não era feriado – longe disso. (Não era sequer um dia de Grande Gala, como se designavam, nessa época da Monarquia, os dias que, hoje, chamaríamos feriados.) E entrou também a cultivar o espírito da data e a solenizá-la no espaço público. Um dos seus maiores legados está registado na base do Monumento aos Restauradores, na praça deste nome, em Lisboa: “Em 1886, por subscripção nacional erigiu a Commissão Central Primeiro de Dezembro de 1640”. Sim. Foram eles que tiveram a ideia, o conceberam e o construíram. Uma iniciativa privada de serviço público.

Voltemos ao Manifesto fundador de 1861:

“Precisávamos, portanto, de expor claramente a opinião unânime do povo português, e assegurar aos homens e aos governos que se interessam no melhor regimento da família europeia que é ânimo e deliberação nossa defender a integridade do território que possuímos, não aceitando agregações incongruentes com o carácter e as tradições nacionais, e que nos empenhamos, quanto cabe em nossas faculdades e no-lo permitem os obstáculos da governação que todos os povos têm encontrado nos aperfeiçoamentos sociais, por sermos dignos de fazer parceria com as nações civilizadas, tanto pelos nossos feitos passados como pela nossa vida contemporânea.”

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Anos depois, a República, em 1910, por Decreto do Governo Provisório de 12 de Outubro, nos primeiros actos, incluiu o 1.º de Dezembro no reduzido elenco de cinco feriados nacionais que estabeleceu, como dia “consagrado à autonomia da pátria portuguesa”.  E em 22 de Novembro, por novo Decreto, que invoca expressamente a nossa Comissão Central, acrescenta ao 1.º de Dezembro o significado de festa da Bandeira Nacional, aprovando o solene protocolo do dia. Ou seja, o primeiro 1.º de Dezembro que celebrámos, ao modo moderno dos feriados nacionais, foi-o sob a égide de Dia da Autonomia da Pátria Portuguesa e da Bandeira Nacional, por impulso da acção cívica dos antepassados e fundadores da Sociedade Histórica. Essa primeira celebração em 1910 inaugurou, aliás, uma parceria com a Câmara Municipal de Lisboa, que se mantém até hoje: são estas duas instituições que organizam as comemorações nacionais do 1.º de Dezembro.

É por esta história que gosto de dizer que a Sociedade Histórica da Independência de Portugal é a única associação em Portugal que tem um feriado nacional. E que feriado! O 1.º de Dezembro. Guarda o seu espírito, cultiva a sua memória, projecta a sua inspiração. E pugnou por ele: quer antes de o ver instituído em 1910, quer recentemente para o restaurar.

Além de um feriado, temos também um palácio. É monumento nacional: o histórico Palácio dos Almadas, de onde saiu a revolução vitoriosa de 1640. Por isso, o nome oficial é Palácio da Independência. Tivemos a sede sempre aqui, desde 1861, usando umas salas, por acordos com a família Almada, a proprietária. Em 1940, o Estado comprou-o, com fundos da comunidade portuguesa no Brasil, angariados para que nos fosse atribuído. Mais tarde, nos anos 80, foi-nos confiado o seu uso exclusivo.

Aqui mantemos uma biblioteca, preservamos algum património histórico, atribuímos um prémio anual instituído pelo nosso grande benfeitor Aboim Sande Lemos e desenvolvemos actividade cultural intensa, descentralizando sempre que possível e adequado: conferências, apresentações diversas, visitas culturais, debates, exposições, publicações, actuações musicais. E celebramos algumas datas nacionais, não só o 1.º de Dezembro.

Toda a gente pensa que, para cumprir estas responsabilidades de interesse público, a Sociedade Histórica recebe do Estado uma subvenção orçamental anual. E pensam bem. É assim que deve ser, como com outras instituições similares, algumas nossas parceiras. E é assim que é: recebemos do governo, anualmente, para o nosso orçamento, a importante importância de 5.000 euros. Isso mesmo, 5.000 euros por ano. Se causarmos inveja, lamentamos. Não o fazemos por mal.

Recebemos do governo o equivalente a meio salário mínimo por mês para cuidarmos de um palácio e seu jardim, guardarmos património, solenizarmos um feriado nacional da mais alta importância colectiva e desenvolvermos uma actividade cultural de interesse público, principalmente com enfoque histórico. 5.000 euritos. Nada mau.

Não foi sempre assim. Nos anos 90, a Sociedade Histórica recebeu subvenções governamentais equivalentes, em conversão directa de escudos, a entre 120.000 a 470.000 euros por ano; ou, seguindo o conversor monetário da Pordata, entre 260.000 a 690.000 euros anuais. A memória da casa regista terem sido anos de várias obras de recuperação e adaptação, depois dos anos das ocupações. Nesse período, a Sociedade recebia subvenções governamentais de três fontes: Finanças, Defesa Nacional e Educação. A partir de 2001, o financiamento ficou só na Defesa e caiu para o patamar anual de 70.000 euros. Seguiram-se novas quebras consecutivas: em 2008, para valores de 25.000 euros/ano; em 2011, para 6.000 a 8.000 euros anuais; e, desde 2015, a regra dos 5.000 euros. Em 2023, foram-nos atribuídos 6.000 euros. Só podemos agradecer.

A Sociedade Histórica vive e funciona com extremas dificuldades, com as quotas dos sócios, incluindo os extraordinários, uma rede de relações institucionais, algumas parcerias, muitas colaborações pro bono (a começar por todos os dirigentes) e uma gestão apertada e imaginativa. Foi assim que começámos, por exemplo, com os Concertos e o Desfile Nacional de Bandas Filarmónicas, já consolidados. Com alguns aumentos de receitas e redução de despesa estrutural no ano passado, 2023 foi ano folgado, o que não acontecia há muitos anos e nunca sabemos quanto dura, já que o quadro geral se mantém crítico. 5.000 euros não dão para tudo. E 6.000 também não.

O Palácio deverá entrar, finalmente, em obras de reabilitação no princípio de 2024, depois de concluído o concurso público de adjudicação. O estado de degradação do edifício foi-se agravando continuamente, por falta de verbas, e a Câmara Municipal de Lisboa respondeu ao apelo de financiar essa recuperação parcial, dirigida à abertura ao público. O apoio foi concedido ainda no tempo de Fernando Medina e mantido por Carlos Moedas, que teve já de atender ao previsível aumento de custos por efeito da pandemia e da guerra. A responsabilidade do Palácio é do Estado, mas foi a Câmara Municipal que se atravessou. O investimento não será para nós, mas para património do Estado. Estamos muito reconhecidos. Suponho que o Estado também estará grato. Infelizmente, sabemos como o Estado Português cuida pouco e mal do património. O Palácio da Independência, no centro da cidade, não tem sido excepção.

Esta reabilitação do edifício-sede poderá melhorar muito o quadro de operação da Sociedade Histórica. A abertura ao público, no espaço novo do Museu da Restauração, articulado com a biblioteca, o jardim e outros equipamentos, bem como visitas mais amplas ao Palácio, poderão gerar novas receitas correntes. Mas é uma experiência que teremos ainda de construir. E, para já, para já, temos um ano para encontrar financiamento para o museu, pois não está previsto – só as paredes. Os 5.000 euros não vão chegar.

Estamos, ainda, a lançar dois projectos – “900 anos de Portugal” e, articulado com este, “Forais da Fundação, Municípios de Portugal” – que deverão ter grande e prolongada visibilidade e projecção. Reforçarão muito a quota de serviço público, histórico, patriótico e cultural, que é prestado ao nosso país pela Sociedade Histórica da Independência de Portugal, como é nossa única razão de ser.

Faz-nos felizes gostar de Portugal. Mostrar como é. E servi-lo, ainda que com 5.000 euros por ano. Mas, é claro, se os governos nos derem o mesmo que a outras instituições similares, mais e melhor faremos, como é nosso propósito e ambição.