Neste espaço descrevi que, quando o funcionário do Departamento de Justiça (DOJ) da Administração Trump, Jeffrey Clark, que elaborara uma carta para enviar para um conjunto de Estados de forma a estes não certificarem os resultados eleitorais com a justificação que o DOJ tinha encontrado “irregularidades” (falsas e imaginadas), foi confrontado com a real eventualidade do povo americano sair à rua para protestar uma eleição usurpada com artifícios ilegais, ele respondeu que “É para isso que há a Lei de Insurreição“, uma lei que permite ao Presidente mobilizar o exército e a Guarda Nacional para suprimir, violentamente se necessário, protestos sociais.

Na quinta-feira, 25 de abril, curiosamente no Dia da Liberdade em Portugal, a maioria conservadora do Supremo Tribunal dos Estados Unidos pareceu estar conivente com tais medidas antidemocráticas, desde que sejam consideradas como “atos oficiais”. Isto aconteceu na sessão de argumentos orais para ver se um Presidente pode beneficiar de imunidade presidencial completa. Quando a Juíza do Supremo Sonia Sotomayor perguntou: “Se o Presidente decidir que o seu rival é corrupto e ordenar as forças armadas para o assassinar, isso está dentro da definição de um ato oficial ao abrigo da imunidade?”, John Sauer, o advogado por Donald Trump respondeu: “Depende do cenário hipotético, mas pode ser um ato oficial”. Ainda a Juíza Sotomayor: “Se o Presidente criar votos fraudulentos. É possível que ele tenha o direito de o fazer?”, Sauer: “Absolutamente”. Igualmente, a Juíza Elena Kagan: “Um presidente pode ordenar às forças armadas que façam um golpe de estado?”, Sauer: “Isso pode ser um ato oficial”. Novamente, a Juíza Kagan: “E se o Presidente vender segredos nucleares a um adversário externo, isso também goza de imunidade?”, Sauer: “Se for estruturado como um ato oficial, teria de ser destituído (na Casa dos Representantes) e condenado (no Senado) [para depois ser alvo de um caso criminal].”

No lugar de a audiência ter terminado em qualquer um destes momentos, pela insanidade que é pensar que algum dos atos apresentados pelas juízas liberais podem ser considerados como tendo mérito, os juízes conservadores, com três nomeados pelo então Presidente Trump, passaram duas horas a entreter argumentos tais como, o que são afinal atos oficiais vs. atos pessoais?! E quando é que atos pessoais podem ser indistinguíveis de oficiais? E se as suas ordens não forem cumpridas? E se quiser imaginar crimes que o seu antecessor na Casa Branca tenha feito? Como um Presidente pudesse estar protegido pela Constituição se ordenar que o seu oponente político seja preso sem recurso, ou declare uma eleição como nula, ou entregue à Putin os planos de contingência da NATO no caso de a Rússia quiser atacar a Finlândia ou a Polónia. Um dos juízes, Sam Alito, chegou a perguntar se não seria de bom tom que um presidente em final de mandato não fosse indicado por crimes, pois isso poderia aumentar o risco de não querer deixar o poder de uma forma pacífica.

Tem sido óbvio, para espectadores atentos, que a maioria conservadora no Supremo Tribunal irá fazer todos os possíveis para que o caso criminal no distrito de Columbia, entregue à Juíza Tanya Chutkan, sob o envolvimento de Trump na interferência das eleições de 2020, e da transferência de poder em janeiro de 2021, não aconteça antes da eleição de novembro. De facto, o Procurador Especial, Jack Smith, em dezembro do ano passado, pediu ao Supremo Tribunal para avaliar o mérito da defesa da imunidade presidencial avançado por Trump na defesa do caso em DC. Na altura, o Supremo não aceitou o caso com a justificação que era da responsabilidade do tribunal de relação (instância acima ao tribunal onde se senta Chutkan, o Tribunal de Recursos para o Distrito de Columbia). Depois da completa rejeição dos argumentos da defesa de Trump perante um painel de três juízas, e após novo recurso do queixoso, foi então aceite a análise do processo, e marcado os argumentos orais para o último dia possível no calendário do Supremo Tribunal.

O que virá a seguir é bastante óbvio: os juízes conservadores ou não vão emitir um parecer este verão, ou vão remeter para a Juíza Chutkan a definição de quais os atos, na queixa criminal pelo Procurador Especial, que são pessoais ou oficiais, recomeçando assim o ciclo de recursos para o tribunal de instância superior, e eventualmente, novamente, para o Supremo. Em ambas as situações, anulam qualquer hipótese de o julgamento acontecer no outono, a tempo dos eleitores poderem ver a extensão dos factos recolhidos. A ultraconservadora Liz Cheney, filha de Dick Cheney, porém opositora ao movimento MAGA por ser uma política defensora da ordem constitucional e da democracia representativa, escreveu um artigo para o New York Times onde argumentou que “Se a tática de Trump [de causar o adiamentos legais] impedirem que o seu julgamento sobre os eventos de 6 de janeiro prossiga normalmente, ele terá também conseguido ocultar provas críticas do povo americano – provas que demonstram o seu desrespeito pelo Estado de Direito, a sua crueldade no dia 6 de janeiro e as profundas falhas de caráter que o tornam inadequado para servir como presidente. O Supremo Tribunal deve compreender esta realidade e concluir sem demora que nenhuma imunidade se aplica aqui.” Porém, a maioria conservadora no Supremo é agora um braço legal, a juntar a outros (político, mediático, ativista, quiçá miliciano) que parecem apostados em oferecer a Trump aquilo que os membros fundadores do país, da Constituição, e da forma de governação, não queriam que existisse nos Estados Unidos, um rei que governa sem apelo ou recurso.

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