O que é, no fundo, um croquete? Arrisco uma explicação: é o resultado do aproveitamento de carnes várias que, num esforço para não serem desperdiçadas, são guisadas, depois moídas, de seguida enformadas em cilindros ou bolinhas e, finalmente, fritas em óleo bem quente. Um exemplo perfeito de que nada se perde, tudo se transforma.

Porque falo sobre croquetes? Recentemente foi publicado neste jornal um artigo onde se descreviam os diplomatas portugueses como presos à secretária de uma Embaixada e movidos pelo interesse de engrossar as listas de “um qualquer gabinete ministerial ou da direção de um instituto público”. E, claro, sem surpresa nem originalidade, éramos associados ao dito croquete.

Isto está muito longe da realidade.

Sou diplomata há 26 anos e desde 2021 presidente da Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses. No tempo que levo de carreira, seja em Portugal ou quando estive colocada no estrangeiro, admito já ter comido alguns croquetes. Nalgumas ocasiões, até os fritei para os oferecer a quem no estrangeiro não os conhece. Mas também fiz outras coisas. Fizemos e fazemos todos.

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Ajudámos a retirar da Ucrânia os cidadãos portugueses e as suas famílias à medida que as tropas russas se acercavam das suas vilas e cidades; garantimos que os portugueses que estavam em Wuhan no início da pandemia conseguissem voltar em segurança para o seu país; carregámos com os nossos próprios braços as caixas com máscaras que Portugal importou a tanto custo numa altura de grande escassez; assegurámos que nenhum compatriota fosse esquecido no meio da devastação de ciclones como o da Beira, em Moçambique; e a cada eleição nacional vamos às zonas de conflito onde estão destacadas missões portuguesas, para garantir que nenhum militar deixa de exercer o seu direito de voto.

Com menos adrenalina, mas nem por isso menos sentido de missão, também é aos diplomatas portugueses que cabe garantir que os nossos compatriotas têm os documentos renovados, que os seus problemas e os seus interesses são defendidos junto das autoridades locais em toda a linha, que a língua e cultura portuguesas são conhecidas e apreciadas fora de portas, que as empresas são apoiadas quando querem explorar novos mercados. Soubemos eleger um português para Secretário-Geral da ONU — e quando é preciso também negociamos em Bruxelas até à última vírgula para garantir que o Queijo de Serpa ou o Ananás dos Açores não perdem o selo DOP – Denominação de Origem Protegida.

O que falta acrescentar é as condições em que fazemos tudo isto.

Saberão os críticos dos diplomatas portugueses que os seus salários são inferiores aos de um magistrado, um militar, um docente do ensino superior? Saberão que esses mesmos salários estiveram congelados durante 10 anos? Saberão que os abonos de habitação, que nos deviam permitir arrendar uma casa digna quando estamos em Posto a representar o país, são os mesmos desde 2003? Saberão que muitos diplomatas têm de se separar das suas famílias porque não conseguem pagar apartamentos para todos viverem juntos? Saberão que, nos casos em que conseguem levar a família, o Estado não comparticipa as despesas com educação no estrangeiro dos seus filhos, apesar de a Constituição Portuguesa afirmar que a educação é tendencialmente gratuita?

Se não sabiam, ficam agora a saber.

O poder político, porém, não pode alegar a mesma ignorância: há décadas que a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses tem vindo a alertar para estas e outras questões. Sem efeito.

Repito: não é com surpresa que vejo os diplomatas portugueses a serem associados aos croquetes. Mas um olhar atento rapidamente entenderia que somos exatamente o contrário daquele acepipe que segue o lema de que nada de perde, tudo se transforma. É que depois de décadas em que nada se transformou na carreira diplomática, corremos o risco de tudo perder.