Na ressaca das eleições presidenciais, e daquilo a que os especialistas carimbaram como sendo uma grande vitória da direita moderada, o espectro político agita-se sob o jugo de diversas movimentações partidárias. Adolfo Mesquita Nunes, no CDS, atirou-se para a frente e, acolitado por venerandas figuras desse partido, tratou de tirar o tapete a Francisco Rodrigues dos Santos, actual presidente, e um embaraço para a grande maioria dos seus eleitores. Sobre o ataque, a opinião diverge: uns, os apoiantes da Situação, indignam-se; os outros, os da Oposição, aplaudem. Curiosamente, Mesquita Nunes, que recentemente fundou com Guimarães Pinto um “tanque de pensamento” que, dados os pergaminhos das figuras cimeiras, se imagina liberal. Talvez alguns observadores do processo de reconfiguração da direita em curso se questionem por que razão estas duas figuras militam em partidos diferentes. Afinal, que distingue Mesquita Nunes da IL? Ou, por outras palavras, para que servirá um CDS liderado por alguém que a todos os níveis advoga, como o próprio Guimarães Pinto afirma em entrevista publicada também por estes dias, o programa da IL?

Talvez imagine Mesquita Nunes que em conquistando o CDS o fenómeno da IL se extingue como por magia. Engana-se. A IL veio para ficar: tem ideologia própria bem definida no progressismo liberal, tem estrutura partidária erigida por especialistas do aparelho político oriundos do PSD e do PS, figuras próprias com relevo nacional, uma imagem profissional e cuidada, e, muito importante, ao contrário do CDS, uma penetração assinalável no eleitorado jovem. Quisesse Mesquita Nunes extinguir o fenómeno político que lhe devora a ala liberal eleitoral do seu partido e teria que ter avançado para as presidenciais com os apoios de CDS e da IL, apoios que com alguma arte e um pouco de engenho se fariam acontecer. Não o fez, porque não quis, e apesar de atempadamente ter passado as culpas para Rodrigues dos Santos, a verdade é que a oportunidade esfumou-se: Mayan segurou o barco, fez sucesso, e a IL já supera o CDS em tudo o que é estudo de opinião.

Outra coisa que Mesquita Nunes, o putativo novo líder do CDS, tem em comum com Guimarães Pinto, o arauto moral e político da IL, foi o de terem assinado o célebre manifesto das linhas vermelhas que, sem sequer mencionar o nome de André Ventura ou do seu partido Chega!, corajosa e veementemente, do alto de um pedestal de excelsa moralidade, que nem Conselheiros Acácios de dedos indicadores bem esticados no ar, decretou que conversas com fenómenos iliberais — significando iliberal o que eles presumem ser iliberal, mas que não explicaram — não poderiam aceitar-se em nome “da defesa da ordem liberal”. Ora, acontece que a base da ordem liberal é o pluralismo de opinião e de voto, pluralismo o qual resolveu entregar 12% dos votos expressos nas  eleições presidenciais a essa alegadamente tenebrosa figura chamada Ventura. O povo, para mal dos pecados de Mesquita Nunes e Guimarães Pinto, parece não se incomodar com as linhas vermelhas dos ilustres signatários do documento e deu de bom grado, por todo o país, mais votos a Ventura que a comunistas, bloquistas e liberais todos somados, ou seja, a todos aqueles que o rejeitam liminarmente ao mesmo tempo que não se incomodam de o transformar no centro do debate político português.

Entretanto, Rio e Rodrigues do Santos, os mais contestados presidentes dos seus respectivos partidos dos últimos anos, depois de se acertarem de dote e véu nos Açores junto com PPM, IL e Chega!, resolveram anunciar que para as eleições autárquicas não pode haver coligações com o tal partido com o qual se acabaram de coligar nos Açores, o Chega!. Mesmo esquecendo a capacidade intrínseca do duo presidencial para enterrar qualquer resquício de coerência intelectual e política, não deixa de admirar o momento escolhido para, depois de o recusar nos Açores, vir agora aceitar as ordens morais do manifesto Acácio de Mesquita Nunes & Companhia. Desde logo, a Rio, que precisa de vitórias em câmaras municipais como um esfomeado de pão para a boca, fica por compreender a facilidade com que se deita fora a possibilidade, nomeadamente no Alentejo, de roubar directamente através de uma frente de direita alguns municípios ao PS e ao PCP. Depois, no CDS, e durante o assalto ao poder de Mesquita Nunes e os herdeiros de Paulo Portas, foge ao espírito mais sublime por que razão há-de Rodrigues dos Santos deitar fora a única coisa que o diferenciava daqueles que lhe pretendem roubar o poleiro.

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A direita “acaciana” regozija-se, pois claro. O manifesto está aprovado, publicado e, agora, até pelos seus adversários intra-partidários implementado. Esquecem-se, no entanto, os nossos Acácios de um pequeno pormenor: o povo eleitor. Do mesmo modo que Rio , cheio de orgulho e sem remorço, compenetradamente alcança a proeza de reduzir o PSD a um partido regional — notem-se os resultados a Sul do Tejo, incluindo a área Metropolitana de Lisboa, nas últimas legislativas —, acantonado ao “centro” como o próprio não se cansa de afirmar, o erigir de linhas vermelhas à direita apenas forçará a maioria silenciosa e moderada a escolher entre o radicalismo histriónico de Ventura e a capitulação moral, intelectual e política da direita acaciana face ao PS, o único beneficiário da agora garantida divisão à direita. Nas presidenciais, 12% já escolheram o que preferem. 

No meio, algures perdidos em abstenção, desilusão, ou simples desespero, milhares de portugueses vêem-se órfãos de representação política: o PSD de Rio ao centro e mais preocupado em tentar negociar com o PS não apresenta uma ideia alternativa para o futuro do país; o CDS de Rodrigues do Santos não disse nem fez nada, pelo menos que se visse; o novo CDS de Mesquita Nunes, presume-se, irá alinhar pelo manifesto Acácio e explicar a toda a direita como a direita apenas poderá ser aquilo que a esquerda permitir; a IL, de Cotrim Figueiredo, mas inspirada por Guimarães Pinto, preocupada com a economia, define-se, talvez, pelas declarações deste último onde assume, sem qualquer embaraço, com toda a naturalidade, que entre ter que gramar com Ventura num governo de direita em Portugal ou ser deputado da oposição a um governo com Pedro Nuno Santos a ministro, entre uma e outra, prefere o insigne liberal o governo do PS. E, deste modo, se resume a direta Acaciana, aquela que aparentemente apenas temos direito: recusando liderar, federar, moderar também, a direita portuguesa e desalojar o PS de uma eternização governamental que tanto criticam, acabam a defender a continuidade desse mesmo PS no poder. Ou seja, entre o interesse nacional e o próprio ego magoado e ressentido, subjugam-se a este último. É pena.

Esta direita acaciana, uma direita vergada, colonizada culturalmente pela esquerda caviar e politicamente pelo centrão socialista, de espinha dobrada, de cócoras, isto apesar de moralista, arrogante e altiva para com aqueles que deveria defender, esta direita sem coragem, rasgo ou alternativa, incapaz de unir, apenas dividir, que se recusa a federar, apenas  a separar e polarizar, esta direita, lamento, mas não serve para mais nada a não ser demonstrar o vazio que a esquerda cultural e politicamente hegemónica conseguiu implementar à direita. Do mesmo modo, as últimas movimentações políticas, tornam muito claro que, entre o histerismo de Ventura e os Acácios das linhas vermelhas, para que se possa sonhar com um vislumbre de alternativa ao poder mafioso, clientelar, sem-vergonha, socialista, a direita tem que ser capaz de atacar a doença de que padece, e não apenas os sintomas. Ventura, Acácios, o vazio no meio, a falta de liderança, de alternativa, tudo isto são apenas sintomas de uma doença  mais grave que ataca o âmago, o eixo, o espírito da direita: a presidência de Rio no PSD. 

Enquanto esta durar, a divisão, a polarização, o vazio, a desavença à direita serão garantidas. E como apenas no PSD se consegue liderar o ataque ao socialismo vigente, enquanto Rio lá se mantiver empoleirado à espera que o poder lhe caia de podre nas mãos, ficamos reduzidos a esta  triste direita a que temos direito, a tal que a esquerda adora e que não nos serve de nada.