Em política, tal como recentemente relembrou Jaime Nogueira Pinto no podcast “Radicais Livres”, existe um teste infalível para ajuizar a veia política de qualquer pessoa. É barato e qualquer um de nós pode fazê-lo. É o “teste do banco”. Quem tiver capacidade de subir (i) a um banco, (ii) abrir a boca e (iii) fazer com que as pessoas parem para o/a ouvir tem potencial para fazer política. Afinal de contas, está no imaginário de qualquer um que fazer política é subir a um palanque, discorrer sobre determinado tema e ganhar o aplauso da plateia. No fundo, fazer política é também um espetáculo de exibição.

Pedro Nuno Santos (PNS) passa distintivamente neste teste. Provido de uma eloquência absolutamente notável, faz da confiança e da perspicácia argumentativa (vulgo, benigna ratice) instrumentos para atingir o quórum popular de qualquer audiência. Na já largamente comentada entrevista de 11/Dez, um verdadeiro teste de fogo após a alegada derrota política com António Costa com o chumbo da ida ao Parlamento do plano TAP, PNS demonstrou novamente pergaminhos numa questão tão sensível como a da transportadora.

Dito isto, eloquência não é condição suficiente para se estar do lado certo da história.

Na Grécia Antiga separou-se claramente a boa eloquência da eloquência falaciosa. Falar bem e com razão é uma coisa. Falar bem e não ter razão é outra coisa. Esta última, particularmente gravosa, serve-se de duas características para adensar a trama: por um lado, é perfeitamente distinguível da primeira, mas, por outro, é um exercício tudo menos fácil de desencriptar. O problema, claro está, é que vezes sem conta a opinião pública é guiada pela primeira – falar bem – e não se, de facto, o argumentador tem a razão do seu lado. É normal, compreensível e sempre assim será enquanto formos humanos.

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O problema específico da TAP é um problema paradigmático da dificuldade de fazer política. É relativamente fácil falar bem evocando razões erradas para concluir algo que parece unanimemente lógico. O problema está em explicar o porquê de algo que parece tão certo estar a ser concluído por um raciocínio tão errado. E, importante, as razões erradas que geram conclusões aparentemente válidas não são necessariamente promovidas com dolo (como me parece ser o caso, diga-se).

Vejamos: um dos principais argumentos utilizados por PNS na entrevista de 11 de dezembro, tem que ver com a visão imediatista de que o fim da TAP se traduziria em:

  1. Desemprego;
  2. Redução de exportações;
  3. Aumento de importações;
  4. Perda de riqueza.

A dificuldade particular em explicar o problema da TAP, é que é efetivamente verdade que com o seu fim, milhares de pessoas poderiam ser despedidas, a empresa deixaria de faturar o que fatura, deixaria ainda de contribuir para as exportações e seria, provavelmente, substituída por uma empresa não-nacional, que faria com que ocorresse matematicamente um aumento de importações (e.g. portugueses passariam a comprar bilhetes a uma empresa não-nacional). Tudo isto pode ser verdade.

Por contraditório que pareça, no entanto, tal não quer dizer que a economia portuguesa sofra um impacto líquido negativo, isto é, que se verifique uma perda de riqueza para os portugueses. O cenário dantesco pintado acima pode ser considerado inevitável, mas só se realizarmos um esforço imaginativo conjunto para conceber que no pós-TAP viveríamos subitamente num ecossistema onde pessoas e ativos da companhia ficariam literalmente congelados numa arca frigorífica. No dia em que a TAP fosse liquidada (ou privatizada), imagina PNS, as pessoas tornar-se-iam imediatamente inaptas e os recursos seguiriam o mesmo rumo de D. Sebastião.

Num cenário alternativo, não negligenciável, o fim da TAP provocaria também um outro efeito: libertação de recursos. Em economia, e aqui vem uma declarada simplificação da realidade, o crescimento económico é tão alto quanto melhor estes recursos forem alocados, ceteris paribus. Imaginemos a economia como uma equipa de futebol, onde temos 11 jogadores disponíveis. Para não ferir suscetibilidades, consideremos o onze titular da Seleção Nacional. Ora, a equipa para ter os melhores resultados possíveis depende, em grande medida, da capacidade de organizar os 11 jogadores em campo. Um exemplo fácil de alocação subótima de recursos seria, por exemplo, colocar o Cristiano Ronaldo a defesa-central e o Pepe a ponta-de-lança. A equipa naturalmente não teria os melhores resultados possíveis. Colocar o Cristiano Ronaldo a ponta-de-lança e o Pepe a defesa-central, em média, geraria melhores resultados à equipa. Como se depreende, o sucesso da equipa é diretamente impactado pela capacidade de colocar os jogadores nos lugares certos: alocar recursos de forma ótima. Em economia, é igual. Funciona tanto melhor, quanto melhores os recursos (melhores os jogadores) e melhor eles forem alocados (melhor a disposição tática).

As más notícias é que Economia não é Futebol e não existem apenas 11 jogadores ou, se quisermos, as mesmas variáveis para ajudar a tomar decisões. Existem milhões, incalculáveis, de variáveis que ultrapassam a capacidade e a legitimidade de um conjunto pré-selecionado de cérebros para decidir. Mas já lá vamos.

Como referia, os recursos não ficariam congelados com o fim da TAP. Os recursos não se perderiam. As pessoas, naturalmente, não desapareceriam. O que aconteceria é que, por exemplo, essas pessoas através de qualquer outra oportunidade, na mesma função ou através do treino/requalificação – mecanismo invulgarmente ignorado como um dos principais fatores para aumento de produtividade -, seriam inevitavelmente alocadas noutra disposição da economia. Tudo isto de forma orgânica. Quase que um processo homeostático da economia. Não é mágico nem obra de um ser invisível, mas, antes, um ajuste bem real entre necessidades e oportunidades.

A análise apresentada por PNS contempla apenas dois cenários: (i) a TAP de hoje e (ii) o fim da TAP com congelamento dos recursos. Pois desengane-se. O fim da TAP, uma empresa operacionalmente falida – isto é, se apenas consideramos a diferença entre o preço que pagamos pelos bilhetes e o custo em que a TAP incorre para nos levar de A a B, a TAP perde dinheiro -, não implica congelamento dos recursos. O que importa comparar é a TAP de hoje com um futuro onde os recursos libertos pelo fim da TAP acabariam por ser realocados. Ignorar este cenário é falhar numa análise de cenários que se quer o mais robusta e completa possível.

Dirá o leitor: mas como é que seria possível saber com algum nível de certeza o resultado dessa realocação? O que é que garante que as dez mil pessoas que seriam despedidas estariam a fazer outra coisa qualquer que produzisse mais riqueza do que no cenário em que a TAP é salva? Não estaremos a trocar uma certeza por um exercício de confiança cega nos mecanismos mágicos da economia?

A resposta: não sei. Não sei eu, nem sabe ninguém. Precisamente por isso, é que as decisões em economia não são, ou não devem ser, tomadas por um cérebro único por mais brilhante que seja. Quando as decisões em economia são descentralizadas, a probabilidade dessas decisões serem melhores é também maior pela simples razão de que cada decisão tem por base um maior nível de informação. A economia, curiosamente como ouvia no anúncio de rádio do Novo Banco – a ironia tem destas coisas -, “a economia somos todos nós”. Se somos todos nós, quem decide somos todos nós também. Ou haverá melhor incentivo à boa decisão do que deixar decidir quem sofrerá/beneficiará com as consequências?

Confesso a minha pessoal estupefação com a vivacidade do tema da centralização económica em pleno séc. XXI. Além de anacrónico, é um peso morto que teima em não deixar a economia funcionar. Na verdade, e reutilizando o curioso slogan do Novo Banco, “a economia somos todos nós, mas quem manda são apenas alguns – uns, ungidos por coisa alguma.”