Se há crianças que não se interessam pela escola é porque a escola não tem tido tanto interesse pelas crianças como devia. Se há crianças que não aprendem com a escola é porque ela não tem reconhecido as suas necessidades educativas quando aprende com elas. Não se trata, acreditem, de se apontar o dedo à escola ou aos professores. Na verdade, se a escola tem assumido vários “vícios de forma”, somos todos responsáveis por eles.

“A escola é uma seca” acaba por ser, vezes demais para o que devia acontecer, “o desabafo” de muitos adolescentes em relação a ela. Porque a acham desinteressante. Porque não entendem a utilidade de muitos conhecimentos que lhes são exigidos. E porque o nível de trabalho e a tensão a que são sujeitos, por causa dos resultados escolares, não os deixam vivê-la com paixão. Se é verdade que os adolescentes, quando querem ser um bocadinho demagógicos, não lhes falta quase nada, a verdade é que se a virmos com olhos de ver, vamos reparando que a nossa ideia de como se deve aprender se foi transformando – vezes demais, contra a vontade de todos – “castigo”.

Todos temos permitido que a escola se encurrale numa “atmosfera” amiga do individualismo, da competitividade (por vezes) insana, da reprodução mecânica de conhecimentos e da produção (rápida!) de resultados. E que se tenha transformado numa escola que imagina que as crianças saudáveis são sossegadas, caladas e obedientes. Que não são nem curiosas, nem autónomas, nem pensantes. E que  crescem saudáveis e de forma íntegra e integral, numa escola que as tem fechadas, que as empanturra com informação, que supõe que muita escola é melhor escola, que interpreta o brincar como a antítese do trabalho, e que não pondera, a partir de todas as horas de trabalho que lhes exige, qual é a linha que separa o tempo que lhes é devido para a sua educação indispensável do trabalho infantil. Uma escola pouco amiga da actividade física, da criatividade, da formação artística e da palavra. Demasiado desatenta em relação à imaginação, à fantasia, à descoberta e à experimentação. E presumindo que todos aprendem do zero, da mesma forma e à mesma velocidade. Dum modo estranho, a escola, ao mesmo tempo que se aventura a dispensar os manuais em papel, que condescende que se escreva com a ponta dos dedos e cria uma “proximidade” digital com os pais (que os leva a controlar a vida escolar dos filhos através das novas tecnologias), parece continuar a desconhecer a forma como as crianças conhecem, pensam e se desenvolvem.

A mim parece-me que há, actualmente, uma clivagem entre esta ideia “industrial” de escola – tecnocrática, burocrática e positivista (que transforma crianças singulares em “produtos normalizados” e que, agora, parece querer formar, sobretudo, “líderes”) – e uma ideia “ecológica” (bucólica, amiga do ar livre, cooperativa, atenta aos ritmos das crianças e centrada nas suas competências). Se aprender a ler, a contar e a escrever foi o grande objectivo da escola quando ela foi pensada para todos, hoje, precisamos que as crianças aprendam a aprender, aprendam a estudar, aprendam a interpretar, aprendam a falar, aprendam a conhecer, aprendam a discorrer e aprendam a pensar. Pode parecer semelhante; mas é muito diferente! E, no entanto, as duas perspectivas não são tão incompatíveis como pode parecer. É possível educar as crianças para a vida sem que a escola se transforme numa “seca”!

Em relação a uma ideia “industrial” e convencional de escola, surgem reacções seríssimas dos pais que, ora valorizam modelos como o da Escola Moderna, as escolas Montessori, as escolas Waldorf, ou, cada vez mais, o ensino doméstico. É claro que todas estas perspectivas da educação não se poderão colocar em pé de igualdade. E que a interpretação de algumas delas — aqui e ali, com leituras demasiado lineares ou, mesmo, escorregadias acerca das crianças — nos levam a concluir que, desde há muitas dezenas de anos, o modelo de escola com que temos convivido precisa de ser reinventado.

Na verdade, todas estas reacções deviam servir de interpelação para todos nós. Sobretudo, quando se trata de nos perguntarmos como havemos de compatibilizar o mundo 5G, a inteligência artificial e os pais millenials com um modelo tradicional de escola. É claro que não podemos continuar a opor uma ideia “industrial” de escola (como se ela favorecesse a eficácia e os resultados) a uma escola “ecológica”, como se não fosse possível conciliar as “duas escolas”. Precisamos, pois, de inventar uma nova escola. Onde a educação indispensável não abalroe o direito à infância. Onde os conhecimentos de todos não se oponham à sabedoria de cada um, aos seus ritmos e à sua forma singular de conhecer. Onde o desenvolvimento cognitivo não se oponha ao desenvolvimento físico, afectivo, simbólico e artístico de todas as crianças. Onde a existência de programas ou de conteúdos escolares não se oponha à autonomia das escolas e dos professores. Onde a sala de aula não se oponha ao ar livre e ao mundo. Onde as aulas não se oponham ao recreio. Onde a conquista (não a “aquisição, de acordo?) de conhecimentos não se oponha à criatividade. Onde o número não se oponha à palavra. Onde a formação científica não se oponha aos faz-de-conta. Onde a rivalidade não se oponha à cooperação. Onde as novas tecnologias não se oponham ao direito fundamental de desenhar as letras e de contar pelos dedos. Onde o corpo não se oponha ao pensamento. Onde a escola não se oponha ao brincar. E onde melhor escola não signifique menos infância. Só assim a (nova) escola deixará de ser uma “seca”. Só assim passará a ser a estrada que nos leva da escola do passado à escola do futuro.

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