Nos próximo minutos vou desfazer o mito da geração mais bem preparada de sempre, apontar o que tem corrido mal no ensino superior nos últimos vinte anos e como isso tem afetado as empresas e as pessoas. Começo por afirmar que até há algum tempo estava convencido que Bolonha tinha sido um retrocesso na qualidade do ensino superior em Portugal, que não se podia transformar uma graduação de cinco anos em três e chamar a mesma coisa. Hoje tenho a certeza absoluta. Comparar licenciados pré-Bolonha com pós-Bolonha não faz sentido: o próprio processo foi feito à pressa e, passados vinte anos, continua a ser impossível cortar matérias e horas e fazer um profissional do mesmo calibre. O que foi explicado como sendo uma uniformização com os cursos superiores do resto da Europa, acabou por nos puxar para baixo e tirar as vantagens competitivas das universidades portuguesas. O pior de tudo foi demonstrar que o ensino pode piorar de um ano para o outro por decreto. E por decreto colocar em causa a preparação de profissionais que deveriam ser fundamentais para a economia e a sociedade. O pior de tudo é demonstrar que o mito da “geração mais bem preparada de sempre” é uma farsa.

Nas últimas duas décadas temos assistido a uma perda de qualidade da maioria das profissões e o desnorte dos sucessivos Governos não explicam tudo. A febre súbita das Ordens profissionais apenas contribuiu para meia-dúzia de militantes partidários receberem uns tachos. De que vale pagar quotas para um par de Ordens que não defendem, não formam decentemente e nada acrescentam? Se ao menos as empresas, asfixiadas por impostos, pudessem usufruir da investigação académica e da proatividade dos novos licenciados, mas nem isso acontece. Por outro lado, as secções de recursos humanos começaram a ser lideradas por pessoas sem o mínimo de preparação ou método. O que se ensina e o que se pratica são técnicas anacrónicas, “ciência” pouco aprofundada e filtros sem validade. Não vale a pena pedir menos corrupção no recrutamento, quando a qualidade deste último decresce em progressão geométrica. Não vale a pena pedir seriedade, quando não há competência. Porque é que isto é tão importante para a economia do país? É que toda a gente concorda que temos de melhorar na produtividade e na inovação, mas sem escolher bons profissionais e sem capacidade para os reter, nunca teremos a mínima hipótese de desenvolver o país ao mesmo ritmo dos nossos concorrentes na Europa. O resto torna-se apenas num ciclo vicioso: os melhores profissionais vão para o estrangeiro, onde são reconhecidos e muito melhor pagos; por cá, como a economia não se desenvolve, não há capacidade de melhorar salários. Hoje também sabemos que, para os jovens, o salário não é o único fator de permanência numa empresa ou organização. Por isso é fundamental tocar neste assunto, ainda que possa ser doloroso e crispar o orgulho de certas sensibilidades. Se não formos brutalmente honestos e mudarmos urgentemente, continuaremos no erro e isso terá custos que Portugal não pode pagar, nem com as esmolas habituais dos países ricos.

Há cadeiras que há vinte anos precisavam ser remodeladas e as licenciaturas estavam paradas no tempo? Sim e isso acontecia em praticamente todos os cursos e em todas as Universidades. Hoje há uma maior aproximação entre o ensino e o mercado de trabalho, mas é suficiente? De forma alguma. As Universidades deveriam ser pólos de investigação ao serviço da sociedade, das organizações e das empresas. Mas continua a haver uma distância entre uma economia que precisa de inovação e as instituições que deveriam ser fundamentais para a prevalência dessa variável fundamental para o desenvolvimento. Continua a haver uma distância entre uma sociedade que precisa de uma ciência credível e confiável, onde seriam as instituições e a comunidade académica a apontar os maiores especialistas, em vez de uma comunicação social a quem interessa que cientistas medíocres sejam um farol de propaganda ideológica.

No entanto, ainda há uma luz ao fundo do túnel. Por exemplo, na minha cidade, o reitor da Universidade do Porto é uma pessoa competente, com uma visão larga e ambiciosa sobre o futuro e o crescimento dos pólos. E há universidades privadas com História e tradição, apostadas em resistir à falta de fundos com um pessoal académico brilhante e rejuvenescido. Agora que acaba mais um ano letivo, é tempo do país todo olhar para as Universidades com respeito, consideração e independência. Se os Governos continuarem a olhar para as Universidades de soslaio, apenas como possíveis instrumentos de propaganda, o futuro será negro. Mas se a educação superior voltar a ser um canal para o desenvolvimento da humanidade, do pensamento e das empresas, Portugal voltará a ter esperança.

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