1. Afundados na tempestade perfeita

Pela primeira vez desde há muito tempo, o PSD tinha tudo para ter uma maioria confortável. Com a base ideológica do passado, que a vontade inabalável de Sá Carneiro, o talento económico de Cavaco Silva e a seriedade de Passos Coelho construíram. Bastaria à liderança do PSD não desviar o leme para ser a única marca de confiança capaz de convencer os eleitores. Em vez de reforçar o partido como principal alternativa ao PS, colocando o laranja no mapa nacional, a comissão política atual resolveu fazer uma coligação com o nome de AD. O cúmulo da incompetência foi não ter visto o potencial problema e confusão com um partido que já existia chamado ADN. Assim, o que eventualmente capitalizaria com a coligação com o CDS, foi absorvido pela barafunda no boletim de voto entre AD e ADN. Quem ganhou foi a direita radical, com a mensagem forte e sólida que deveria caber ao PSD. Quem ganhou foram extremistas, a quem só interessava a derrota dos moderados. Quem perdeu foram os portugueses, que nesta altura deveriam ter um Governo estável e o cumprimento de um programa rigoroso de desenvolvimento económico e social.

2. Partido de marca branca

Recebi o panfleto da AD na caixa de correio do centro do Porto. Fiquei sem palavras. Em destaque quatro personalidades: Luís Montenegro, líder da AD; Miguel Guimarães, candidato a deputado como independente; Nuno Melo, candidato pelo CDS-PP; e Catarina Araújo, pessoa que muito pouca gente conhece na cidade, não era sequer candidata elegível, mas que é um das vereadores do desgastado e cada vez mais mal-amado Movimento de Rui Moreira. Ou seja, nenhum candidato militante do PSD. Eu já tinha avisado que o PSD estava a tornar-se um partido de marca branca, quando se falava de Rui Moreira como um “grande ativo” para as Europeias. O destino quis que as legislativas viessem primeiro e infelizmente já se provou que eu tinha razão. A obsessão por independentes, em vez de militantes de grande qualidade técnica, faz com que haja grande desconfiança por parte do eleitorado. Na cidade do presidente do Conselho Estratégico Nacional, Pedro Duarte, vimos que este último foi um dos grandes perdedores da noite eleitoral. O problema é que a sua falta de visão política contribuiu decisivamente para que o PSD deixasse de ser visto como ideológico e que demorou décadas a revelar marcas económicas e sociais.

3. A timidez ideológica

A social-democracia de Sá Carneiro e o desenvolvimento económico de Cavaco Silva deram lugar a uma predilecção estranha pela defesa de políticas liberais por parte de alguns dos responsáveis do partido. Contudo, o programa político da AD era interessante e tinha tudo para ser bem coordenado, sendo suportado por economistas e académicos de renome. Mas falhou a passagem da mensagem, o contraditório, o entusiasmo e a capacidade de promover ideias. Vimos muito pouco PSD nos últimos tempos. Muitos sorrisos e demasiada falta de atitude face ao crescente descontentamento da população. Ao contrário de outras eleições, o PSD de Montenegro teve o apoio dos maiores nomes do partido. Mas nem assim.

4. Os adversários e os aliados

A liderança atual do PSD tinha a oportunidade de derrotar o Chega nas contradições e no vazio do discurso político. Mas em vez de lutar frente-a-frente contra o populismo, resolveu criar cisões internas e integrar um conjunto de independentes como se o próprio partido não tivesse matéria-prima mais do que suficiente. A estratégia foi a falta de estratégia. Ressuscitou o CDS-PP apenas porque sim, talvez a pensar em cativar parte do eleitorado mais conservador. Erros atrás de erros. Em vez de um discurso forte e motivador, a timidez tomou conta dos líderes deste PSD. Em vez de assertividade, sobrou inconsistência. Em vez de uma voz única, deixou várias pessoas falar pela coligação e em assuntos desconexos. Pela primeira vez desde há muito tempo, o PSD tinha tudo para ter uma maioria confortável. A Luís Montenegro, Hugo Soares, Pedro Duarte e companhia, exige-se agora o mínimo: levar o barco até porto seguro e sair logo depois para bem longe. Mas até lá têm a obrigação de percorrer esta via sacra que eles próprios construiram e tentar corrigir os erros com o mínimo de danos possíveis.

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