O cancro do pulmão é um tumor muito frequente em Portugal. Porém, mais preocupante ainda, é a elevada mortalidade do cancro do pulmão, que ocupa o primeiro lugar em todo o mundo. As razões da elevada mortalidade são múltiplas, mas uma das mais óbvias é a elevada percentagem de doentes diagnosticados já em fase muito avançada. É difícil alterar esta situação, mesmo com todos os avanços da medicina – e os motivos são facilmente identificáveis.

Uma doença manifesta-se, geralmente, por sintomas e sinais que persistem ou se agravam ao longo do tempo, motivando uma consulta médica e, eventualmente, o diagnóstico. O cancro do pulmão é diferente: na maior parte dos casos, o aparecimento de sintomas dependentes do tumor significa doença avançada. É nestas circunstâncias que são diagnosticados mais de 50% dos doentes. Contudo, a evolução sem sintomas durante anos, em média dois a quatro, pode constituir uma “janela de oportunidade”. Valorizar imagens radiográficas, em especial da TAC torácica, com os fatores de risco de cancro do pulmão – idade, exposição tabágica, doenças respiratórias prévias e história familiar – pode ser fundamental no diagnóstico precoce.

A inalação do fumo do tabaco constitui a principal exposição associada ao cancro do pulmão, estando presente em, pelo menos, 80% dos doentes. A relação com o tabaco foi apresentada pela primeira vez a 12 de julho de 1957 no “Surgeon General”, uma das mais importantes publicações de ciência médica nos EUA. A evidência que sustentava a causalidade era clara e, a partir daí, muitos outros estudos permitiram conhecer mais profundamente os efeitos negativos do fumo do tabaco no cancro do pulmão e na saúde, em geral. O tabaco está associado a muitos outros tumores, mas também às doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, às doenças respiratórias como a pulmonar obstrutiva crónica, em especial, nas situações de enfisema pulmonar e em muitas outras.

O ano de 2013 foi especialmente importante para o conhecimento do impacto do tabaco na expectativa de vida. Nos Estados Unidos e no Reino Unido foram publicados, em simultâneo, dois estudos populacionais que permitiram concluir que os fumadores perdem uma década de expectativa de vida. Porém, deixar de fumar permite, pelo menos em parte, recuperar esta perda. Desta forma, quem deixa de fumar antes dos 30 anos evita 97% da perda de expectativa de vida, sendo que, se parar antes dos 40, ainda recupera 90%.

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Relativamente ao cancro do pulmão, o risco relacionado com o tabaco pode ser reduzido se pararmos de fumar, em qualquer idade, mas nunca atinge o nível de risco dos não-fumadores. Daqui se infere que o maior investimento deve ser feito em idades muito precoces, logo na escola básica, de forma que se reduza o número de pessoas que iniciam o hábito, ficam dependentes e só muito dificilmente param de fumar.

Face à elevada mortalidade, desde há muito tempo que se procuram estratégias que a permitam reduzir. O rastreio dirigido a indivíduos com risco elevado de cancro do pulmão provou reduzir a mortalidade. Em 2011, um estudo de rastreio populacional realizado nos EUA comprovou que a realização de uma TAC torácica anual, em doentes com risco elevado, reduz a mortalidade em pelo menos 20%. Idêntico estudo foi realizado na Holanda-Bélgica, o NELSON, tendo sido obtidos ainda melhores resultados. Estes dados mostram-nos que a estratégia tem de passar por investir na prevenção e no diagnóstico precoce facilitando o acesso à informação, a programas de desabituação tabágica, à avaliação diagnóstica e à vigilância a quem corre o um risco elevado de contrair esta doença (fumadores ou ex-fumadores dos 50 aos 75 anos de idade). É com este objetivo que a CUF tem disponível, desde há alguns anos, o programa de “Deteção Precoce do Cancro do Pulmão”, para diagnosticar os tumores do pulmão numa fase inicial, permitindo o tratamento precoce, reduzindo a mortalidade e aumentando a sobrevivência e a qualidade de vida.

Ainda antes de qualquer sintoma, temos de agir. A prevenção e o diagnóstico precoce são a janela de oportunidade contra o cancro do pulmão.