Desde de há 11 anos que a Six Seconds publica anualmente uma compilação dos resultados da aplicação do SEI (Six Seconds Emotional Intelligence Inventory) a dezenas de milhares de pessoas no mundo inteiro. No relatório do “State of the Heart 2024” revelam-se tendências preocupantes, entre algumas poucas mais positivas:
- As pontuações médias de Inteligência Emocional (IE) no mundo caíram 5,4% de 2019 a 2023.
- As pontuações de percepção de Bem-Estar caíram 5,3% nos últimos 4 anos.
- A geração Z (nascidos entre 1990 e 2010) é claramente o grupo com piores resultados em termos de satisfação no trabalho.
- Na era pós-pandemia, a IE e 75% das pontuações do factor de sucesso na vida das mulheres recuperaram, mesmo com as pontuações dos homens continuando a declinar por vários anos.
- De 2019 a 2023 a sensação de esgotamento (burnout) aumentou em 65% dos setores empresariais estudados.
Diríamos que, durante o isolamento e a solidão da pandemia, se iniciaram mudanças rápidas relacionadas com o trabalho remoto e com a introdução da Inteligência Artificial (IA). Ao combinarmos estas mudanças com o agravamento da crise energética e dos conflitos internacionais, ficámos mais voláteis, menos empáticos e pouco positivos em relação ao futuro.
Para compreender este fenómeno talvez valha a pena perceber o que se está a passar connosco, em termos psicofisiológicos.
O cérebro humano difere do dos animais porque tem processos cognitivos que permitem racionalizar, antecipar e termos consciência de nós próprios. O problema é que a nossa mente toca muito directamente no nosso corpo, interferindo no seu funcionamento. Se pensarmos numa eventual ameaça, por exemplo de algum colega ou familiar que nos parece hostil através das redes sociais, ao ruminarmos sobre isso vamos ficar preocupados, receosos, podemos até ficar furiosos e vingativos.
Tudo isto gera alterações no nosso corpo como se estivéssemos perante uma ameaça física real e imediata. No caso de ser um pensamento recorrente e crónico, provocará uma reação de stress contínua e desnecessária, com efeitos fisiológicos e psicológicos desadequados e negativos.
A nossa capacidade de imaginar esses indícios de intimidação ou constrangimento, activa sistemas específicos de “ameaças” equivalente a estarmos perante o perigo de sermos atacados por um touro: hiperventilação, aceleração do ritmo cardíaco, mobilização muscular e vasoconstrição, atenção selectiva, aumento da sensibilidade auditiva e visual típicas de uma reação de fuga ou de luta.
A nossa actividade mental no mundo digital pode activar de forma desproporcionada esse sistema de “ameaças”, levando-nos a reagir sem termos atenção sobre o que está a acontecer na nossa mente e, por sua vez, perdermos o controlo sobre os efeitos que está a provocar no nosso corpo.
Os investigadores do stress na saúde mental dizem que o que “agarra” mais o nosso cérebro é uma “ameaça”. Se estivermos continuadamente a gerar “ameaças” na nossa cabeça, estimulamos esse sistema psicofisiológico (da “ameaça”) que excita e agita o nosso corpo perante um perigo presente ou futuro.
Os psicólogos sugerem que se ajudem as pessoas a darem mais atenção e a notarem o que está a passar-se na sua mente e onde o seu corpo está a mudar. Outra sugestão é procurarem ganhar capacidade para imaginar situações que estimulem um sistema psicofisiológico diferente, mais relacionado com as emoções e pensamentos de cuidado, compaixão, calma e segurança.
Se ficarmos presos na auto-crítica, vergonha, raiva ou vingança, isso vai afectar o nosso corpo. Da mesma forma que quando imaginamos um prato de lasanha (de carne ou vegetariana) vamos gerar uma variedade de respostas neurais, fisiológicas e comportamentais relacionadas, exacerbando a nossa fome.
É claro que o cérebro humano evoluiu e tem muitas qualidades e vantagens, mas está ligado ao cérebro antigo. Por sua vez, este cérebro mais primário está muito ligado ao nosso corpo. O desafio passa por ter mais atenção e cuidado com a forma como este toca e afecta o nosso corpo, para o bem e para o mal.
O isolamento e a falta de exposição social foram provocados inicialmente pela pandemia e depois pelo trabalho remoto. Por conseguinte, a utilização excessiva do digital/virtual, enfraquece as relações de vínculo social, familiar e comunitário. Por outro lado, o tipo de interface social presencial com outras pessoas próximas é mais “porto de abrigo” de emoções que dão segurança, compassivas e tranquilizantes.
Os desafios do mundo digital e da comunicação virtual em excesso são complexos. Podem provocar um contexto de ausência de hábitos de contacto humano directo em relação aos nossos grupos primários de pertença, como os amigos, a família e as diferentes comunidades mais chegadas. Como dizíamos, o nosso controlo emocional passa muito pela exposição a esses grupos que são um espaço de cuidado recíproco, onde recebemos e damos compreensão e compaixão.
Tudo isto joga a favor do nosso equilíbrio emocional, na disponibilidade para estar com os outros e ver a vida mais colorida em relação ao presente e ao futuro. No caso da geração Z (agora com 14 a 34 anos), não é de estranhar que pareçam mais solitários, mais focados nos resultados e menos na relação, mas aparentemente mais conectados à família e profundamente dependentes da tecnologia digital e virtual.
Talvez por isso, a capacidade de transformar o funcionamento exclusivamente remoto em híbrido, alternando a distância digital com a proximidade presencia, seja uma nova exigência crítica para as empresas, para os governos, para as famílias e também para a sociedade em geral.