Conhecida por poucos e ainda assim ignorada por quem conhece, a União Africana (termo utilizado a partir de 2002), é uma organização intergovernamental (*) já existente desde 1963 (tendo anteriormente a sigla OUA – Organização da Unidade Africana – 1963 a 1999) que tem entre os objetivos principais: a defesa da soberania, da integridade territorial e da independência dos seus Estados-Membros, acelerar a integração política e socioeconómica do continente, promoção e defesa de posições comuns africanas sobre questões de interesse para o continente e seus povos, promoção da paz, segurança e estabilidade no continente, promoção e proteção os direitos humanos e dos povos em conformidade com a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e outros instrumentos relevantes em matéria de direitos humanos.

União Africana: Guardiã dos Direitos Humanos ou Espectadora Silenciosa?

Sem prejuízo dos diversos órgãos que atuam indiretamente, a promoção e proteção dos direitos humanos e dos povos em conformidade com a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e outros instrumentos relevantes em matéria de direitos humanos é realizada pelos seguintes órgãos: Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos’ (CADHP) no qual é responsável pela promoção dos direitos humanos e dos povos, proteção dos direitos humanos e dos povos e interpretação da Carta, o Comité Africano de Peritos sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança (ACERWC), derivada dos artigos 32-45 da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, o comité é responsável pela promoção e proteção dos direitos das crianças, acompanhamento da aplicação da Carta, interpretação das disposições da Carta e outras atribuições que lhe foram confiadas pela Assembleia dos Chefes de Estado e de Governos e de Órgãos da União Africana, para cumprir com as suas funções, o Comité realiza várias atividades de acordo com as disposições da Carta (arts. 42-45 da Carta e do Regimento do Comitê). Por último, o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos que tem jurisdição sobre todos os casos e litígios que lhe são submetidos relativamente à interpretação e aplicação: da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que é o principal instrumento de direitos humanos, do protocolo que instituiu o Tribunal, do ato Constitutivo da UA, tratados da UA e todos os instrumentos legais subsidiários, da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, do protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos Direitos sobre os Direitos das Mulheres em África (Protocolo de Maputo) e outros tratados ou instrumentos de direitos humanos ratificados pelo Estado parte em causa e qualquer questão de direito internacional. A título informativo, possuem legitimidade processual (ativa), a Comissão, os Estados Partes e as organizações intergovernamentais, as organizações não governamentais (ONG) com estatuto de observador perante a Comissão e os indivíduos dos Estados Partes que tenham aceitado a jurisdição do Tribunal em conformidade com artigo 34.

Tribunal Africano dos Direitos Humanos: Um Leão Sem Dentes no Combate às Violações?

Apesar das iniciativas louváveis da UA, vários desafios como guerras, baixo nível de democracia, instabilidades políticas, corrupção, interferências externas, falta de vontade política e a escassez de recursos obstam a efetividade na proteção na proteção dos direitos humanos. Para uma imprescindível clareza da magnitude do empecilho, comprovaremos a forte restrição da tutela jurisdicional, pressuposto essencial quando o assunto é a garantia de acesso ao Tribunal para a defesa da dignidade da pessoa humana ou seja para defesa dos direitos humanos.

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Dos 55 Estados-Parte, apenas 34 Estados ratificaram o “Protocolo Relativo À Carta Africana Dos Direitos do Homem e Dos Povos Sobre A Criação De Um Tribunal Africano Dos Direitos do Homem e Dos Povos”. Apesar das 34 ratificações, o artigo 34 do Protocolo estipula que “no momento da ratificação do presente Protocolo ou em qualquer momento posterior, o Estado fará uma declaração aceitando a competência do Tribunal para receber casos nos termos do Artigo 5 do presente Protocolo. O Tribunal não receberá qualquer petição nos termos do artigo 5 que envolva um Estado que não tenha feito tal declaração”. O artigo 5 estabelece o seguinte: O Tribunal pode conceder às Organizações Não Governamentais (ONG) relevantes o estatuto de observador perante a Comissão e aos particulares o direito de instaurarem processos diretamente perante esta, em conformidade com o artigo 34 do presente Protocolo”. Lastimavelmente, dos 55 Estados-Parte que compõem a UA, apenas estão vinculados ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos oito Estados: Burkina Faso, Malawi, Mali, Gana, Tunísia, Gâmbia, Níger e Guiné-Bissau.

Embora a falta de vontade política, coordenação burocrática necessária e questões de capacidade técnica — incluindo dificuldades na elaboração das condições legais para implementação e a escassez de pessoal capacitado para resolver questões de ratificação — sejam obstáculos que impedem ou atrasam o processo de ratificação de textos jurídicos em África, conforme apontado no 4th Forum of the African Union on International Law and African Union Law, entendemos que o problema central parece residir não só no modelo intergovernamental, modelo esse que é dependente da vontade política dos Estados-Membros, como também na carência de unidade e determinação para superação de problemas semelhantes.

Para fundamentar a nossa posição, em uma análise minuciosa e comparativa, trazemos o Tribunal Penal Internacional (TPI), mais precisamente o Tribunal Internacional Penal. De acordo com seu estatuto, o TPI tem competência para julgar indivíduos — e não Estados, como é tarefa do Tribunal Internacional de Justiça — que tenham cometido crimes contra os direitos humanos, como genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão. Importante destacar que a jurisdição do TPI abrange apenas crimes ocorridos após a entrada em vigor do Estatuto de Roma.

Atualmente, dos 55 Estados-Membros da União Africana, aproximadamente 33 ratificaram o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI). Portanto, África do Sul, Benim, Botswana, Burkina Faso, Burundi, Cabo Verde, República do Congo, República Democrática do Congo, Comores, Djibouti, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Quénia, Lesoto, Libéria, Madagáscar, Malawi, Mali, Maurícia, Namíbia, Níger, Nigéria, Uganda, República Centro-Africana, Senegal, Seychelles, Serra Leoa, Tanzânia, Chade, Tunísia e Zâmbia estão vinculados à jurisdição deste tribunal. Embora a adesão contribua significativamente para o combate à impunidade, além de proteger bens jurídicos e dissuadir a prática de crimes graves, é importante destacar que o TPI tem enfrentado críticas crescentes sendo frequentemente acusado como um “órgão de caça majoritariamente voltado contra os africanos”.

Superando a Inércia: Propostas para Revitalizar a União Africana e seus Compromissos de Direitos Humanos 

Conclusivamente, devido a fulcral importância da União Africana para o continente africano partilhamos da posição que medidas devem ser adotadas para aniquilar o descompromisso com os direitos humanos. Fruto disso, propomos inicialmente a continuidade discussões, de base, levadas a cabo 4.º FÓRUM DA UNIÃO AFRICANA EM DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO DA UNIÃO AFRICANA, 19 a 20 de outubro de 2015, Cairo, Egito, como “Direito dos Tratados, hierarquia de fontes em Direito Internacional, o problema das reservas e revisão dos tratados, instrumentos africanos paralisados, obstáculos e impedimentos (democracia, luta contra o terrorismo, cooperação, Justiça Penal Internacional etc), medidas para acelerar a ratificação dos tratados e a sua implementação, processo para o estabelecimento de obrigações imperativas para os Governos”. Por último, individualmente, propomos: elaboração de medidas preventivas e objetivos – em período de paz e conflitos – que assegurem o cumprimento dos tratados e convenções, elaboração de um regime jurídico que discipline a responsabilidade dos Estados em caso de incumprimento de tratados e convenções, a gradual conversão da UA ao modelo supranacional e por último, caso ocorra a efetivação e o funcionamento do Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos (fruto da almejada fusão), a retirada dos estados-membros africanos do Tribunal Penal Internacional (julga indivíduos) e do Tribunal Internacional de Justiça (julga Estados) com objetivo de aumentar e reforçar a capacidade execução do meios de tutela jurisdicional da UA14, sem prejuízo das alterações que devem ser feitas ao Protocolo sobre as Alterações ao Protocolo Relativo ao Estatuto Do Tribunal Africano De Justiça e Direitos Humanos visando o combate de algumas incongruências como a presente no 46.ºA bis que concede, no nosso entendimento, imunidade excessiva aos líderes africanos o que consequentemente impede o combate à impunidade em África.

(*) Preferimos classificar a UA enquanto uma organização intergovernamental dado que a mesma, intensamente,
estabelece relações de cooperação entres os Estados diferente do que acontece, em bom rigor, nas organizações
supranacionais onde temos uma relação subordinada onde os interesses da organização prevalecem sobre os
interesses dos Estados (ex.: União Europeia).