1 Quem me lê sabe que sou muito crítico de António Costa, da sua forma de governar e da sua ausência de pensamento estratégico e de ação política transformadora e reformista do país. Mas quem me lê também sabe que sou um defensor ferrenho dos princípios e regras do sistema democrático e adepto da estabilidade política.

Por isso mesmo é que, no debate sobre uma alegada inevitabilidade da dissolução do Parlamento após as eleições europeias de 2024, só me posso posicionar do lado da estabilidade.

Não, não é inevitável. Aliás, é recomendável que tal hipótese seja evitável e não se concretize. Não por causa dos socialistas, obviamente. Mas porque uma decisão dessas pode tornar o país ingovernável a prazo.

Bem sei que o debate tem sido, em parte, alimentado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa que, ansioso por querer estar sempre no centro dos acontecimentos, não perde um momento desde março para recordar ao PS que tem a faca e o queijo nas suas mãos.

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Sendo certo que, como se verá mais à frente, não encaro o princípio da estabilidade como sendo absoluto, obviamente, e sem entrar em contradição com o que escrevi nesta coluna (ver aqui, aqui, aqui e aqui), eis as minha razões para defender o cumprimento do mandato do Governo até 2026.

2 Há duas ordens de razões para defender que a estabilidade é, até ver, o valor primordial. Comecemos pelas razões estruturais que são muito simples de explicar. Desde logo, o facto de o PS ter conquistado a maioria absoluta há pouco mais de um ano. Logo, o Governo tem clara legitimidade política para levar o seu mandato até ao fim.

O segundo ponto está relacionado com o facto de estarmos a falar de uma maioria absoluta de um só partido e de o primeiro-ministro António Costa ter sido relegitimado nas eleições antecipadas de janeiro de 2022.

E estas são duas grandes diferenças face ao contexto de 2004 — o exemplo que enche a boca do centro-direita. Isto é, o Executivo era então suportado por uma coligação de PSD/CDS que já tinha tido melhores dias e o então primeiro-ministro Pedro Santana Lopes não tinha sido eleito.

A razão mais importante, contudo, é outra: o país ficaria ingovernável no futuro, mesmo que viessem a existir outros governos de coligação ou governos de um só partido. Porquê? Porque bastaria que a oposição conseguisse criar uma série de casos e ‘casinhos’ na comunicação social, para nascesse automaticamente um cenário de eleições antecipadas.

O que significa que os governos do centro-direita — aqueles que são mais propensos a reformar o país — não conseguiriam levar eventuais reformas até ao fim, para não perderem o poder. Daí que a interrupção forçada de um governo de maioria absoluta poderá ter uma implicação terrível: será impossível reformar o país.

3Também há argumentos fortes em termos conjuntorais. Desde logo, o partido que beneficiaria com novas eleições é o Chega a André Ventura. Não só porque está a subir nas sondagens, como é o único partido que consegue ir buscar votos a todos os partidos e reunir toda a espécie de descontentamentos. Um Chega perto dos 15% seria uma consequência natural de eleições antecipadas.

Por outro lado, não tenhamos dúvidas de que, tal como Luís Marques Mendes avançou no seu programa de domingo à noite, uma dissolução do Parlamento fará sempre com que António Costa seja o candidato do PS. Não haveria tempo para procurar um substituto e uma recandidatura nesse contexto é um ponto de honra para Costa, tal com ficou claro na entrevista que deu este domingo à RTP.

Aliás, se Costa fosse obrigado a ir pela quarta-vez a eleições desde 2015, o atual líder do PS tudo faria para despejar dinheiro na economia, como José Sócrates fez em 2009, para tentar sobreviver e ganhar as eleições antecipadas. Já demonstrou isso mesmo esta semana com o aumento extraordinário das pensões e o controlo do défice e da dívida pública dão-lhe meios financeiros para fazer ainda mais do que Sócrates.

4 É verdade o Governo e o PS são cada vez mais os novos apóstolos da pós-verdade, tal é o esforço que fazem para iludir ou mentir aos eleitores. Não só ninguém esquece a tentativa dos socialistas de reinventarem a história sobre quem chamou a troika em 2011, como agora recriaram todo um novo conceito da descoordenação e da irresponsabilidade política com o “parecer, qual parecer” sobre o despedimento do chairman e da CEO da TAP.

Tal como os mais velhos (ou quem tenha memória) recordam, os socialistas tentaram convencer nos anos 90 o então Presidente Mário Soares de que a dissolução do Parlamento durante o segundo Governo de Cavaco Silva era uma boa ideia. Ou como o próprio Soares se comportou mais como um líder da oposição nesse segundo mandato do que como Chefe de Estado.

Todas essas críticas são legítimas, mas o centro-direita tem de perceber, de uma vez por todas, que não pode ser vingativo em relação ao passado, nomeadamente em relação a 2004 e à decisão do Presidente Sampaio de dissolver o Parlamento, provocando eleições antecipadas e a primeira maioria absoluta do PS com José Sócrates. O contexto dessa dissolução não tem nada a ver com o presente, como expliquei acima.

5 Obviamente que o princípio da estabilidade não é absoluto. Admite exceções, como qualquer bom princípio ou regra. Aliás, o Presidente Marcelo fez questão de apelidar tal exceção como uma “coisa patológica excecional”.

A primeira circunstância excecional, que não será certamente patológica, passa pelo próprio António Costa deitar a toalha ao chão — algo que tem 0,0001% de hipóteses de se verificar. A não ser que Costa tenha o tão falado convite europeu.

Se assim é, que “coisas patológicas excecionais” poderão verificar-se que justifiquem a dissolução? Desde logo, a má relação com a “questão ética”, como já escrevi aqui. Mas aqui teríamos de estar a falar de suspeitas criminais ao mais alto nível que envolvessem o próprio António Costa ou vários ministros relevantes do Governo.

Do género das suspeitas que pairaram sobre José Sócrates em 2009, quando o procurador João Marques Vidal, titular do processo Face Oculta, promoveu um inquérito criminal por alegada violação do Estado de Direito por parte do então primeiro-ministro. O inquérito morreu à nascença por decisão do então procurador-geral Pinto Monteiro, mas as suspeitas — que, no fundo, estavam relacionadas com o controle da comunicação social por parte do Governo — causaram mossa.

Confesso que não acredito que António Costa entre por esses caminhos. Isso, contudo, não quer dizer que os seus ministros não tenham problemas dessa natureza.

6 Tal como Luís Marques Mendes avançou este domingo na SIC, o PSD deverá surgir esta segunda-feira à frente do PS no barómetro da Aximage para o Diário de Notícias e para a TSF. É um resultado importante para Luís Montenegro, visto que será a segunda sondagem que o dará à frente dos socialistas — o que tem um efeito simbólico importante.

O próprio Luís Montenegro tem estado particularmente bem nas últimas semanas. Depois de uma entrevista bem sucedida à minha colega Maria João Avillez na CNN Portugal, na qual afirmou de forma clara que a alternativa ao PS é ele próprio e o PSD e afastou a possibilidade de uma coligação com o Chega, Montenegro tem estado bem no estilo e na forma.

Melhor: está a assumir claramente o papel de líder da oposição, ao criticar António Costa de forma dura e incisiva no caso da TAP, na condução da política económica e noutros temas.

Por tudo isto, é natural que o PSD continue a crescer nas próximas sondagens e comece a cavar um fosso para o PS. Mas tal não significa que alternativa está construída e que a dissolução possa voltar para cima da mesa.

A pior coisa que podia acontecer seria que o centro-direita começasse a ficar sôfrego com a conquista do poder. É preciso que o PSD tenha calma, porque senão pagará caro tal ansiedade quando estiver no poder.

Texto alterado às 00h14 de 25 de abril de 2023 para corrigir gralhas