Tal como algumas pessoas imaginam que a ética é a política em pequeno, assim outras pessoas imaginam que a arquitectura é a decoração de interiores em grande. É verdade que a maior parte dos arquitectos faz coisas grandes e queria fazer coisas ainda maiores; e mesmo os que fazem coisas pequenas raras vezes as descrevem como pequenas. A sua inclinação professa é pôr ordem no mundo, arrumar tralha, deitar fora lixo e coisas antigas, e explicar como as pessoas devem viver. É por isso que tantos arquitectos têm ambições políticas; e que têm sempre ambições políticas de um certo tipo: o tipo grande.

Existe no entanto nas suas actividades uma ligação irremediável à pequena escala e ao uso, que, apesar das ideias que têm sobre o que fazem e das suas ambições sobre o que se deve fazer, lhes fixa os limites nos braços, nas mãos e nas pernas das pessoas comuns, que passam pela arquitectura como por vinha vindimada e lhes desarrumam tudo. Isso explica que as ideias, mesmo confusas ou más, dos arquitectos sobre as suas próprias actividades sejam quase sempre irrelevantes. Naturalmente há muitos arquitectos maravilhosos, que trabalham muito e muitas vezes trabalham bem; porém, como o resto de nós, nem sempre percebem exactamente aquilo que estão a fazer.

O ponto de vista do transeunte não é, para começar, um mau ponto de vista: passamos, arquitectos e não-arquitectos, todos os dias diante do resultado de actividades de arquitectos. São coisas em que normalmente não reparamos: escadas, luzes, canteiros, cidades, torneiras, botões, cadeiras, caminhos, cozinhas e vedações. Só reparamos neles quando magoamos uma mão, tropeçamos, torcemos um tornozelo, afastamos a cara, ou batemos com a cabeça. A medida da nossa aprovação é dada pela nossa ausência de atenção.

Quando pelo contrário as coisas desenhadas por arquitectos atraem a nossa atenção, o mais provável é que essas coisas, quando não estão numa situação disfuncional, se encontrem numa situação desocupada. Compramos postais à entrada de pirâmides, mas não esperamos ser lá sepultados; os palácios que visitamos não têm inquilinos ou proprietários; os mercados municipais são auditórios para mesas-redondas, e não cheiram a peixe; e isto sem falar em planos de urbanização, museus, ou bairros por estrear. Este ‘por estrear’ é importante porque de facto admiramos de modo parecido desenhos, maquetes, plantas, planos e fotografias de edifícios e jardins não-construídos.

Os nossos casos de interesse pela arquitectura são sobretudo casos de interesse por aquilo que já não é usado, ou por aquilo que ainda não foi usado. A ideia de arquitectura mais normalmente celebrada poderá ser o resultado da nossa inclinação para reparar em coisas que ninguém usa: a inclinação para a arte. Como a maior parte dos arquitectos, e se calhar das pessoas, tememos o uso, desconfiamos dos outros, e relacionamo-nos mal com a noção de poder-se passar pelas coisas sem prestar atenção.

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