Além do turismo, agora diminuído com o impacto da pandemia, a economia em Portugal é muito pouco diversificada para além dos setores ligados à construção (imobiliário, edifícios e infraestruturas, arquitetura e engenharia, equipamentos e materiais), por vários motivos: problemas de escala, de know-how e de capital para sermos competitivos noutras áreas; os incentivos da UE normalmente impelem nesse sentido; do seu comportamento dependem ciclos eleitorais.

Porém, são facilmente identificados vários problemas estruturais associados a esta indústria e que tendem a não ser resolvidos ou mitigados, nomeadamente: elevada fragmentação e volatilidade do mercado; concorrência centrada no preço; falta de mão-de-obra especializada, formação e qualificação; falta de inovação; ineficiências ao nível da produtividade, qualidade e segurança.

Ainda assim, uma questão normalmente preterida, mas com custos de oportunidade potencialmente muito significativos, derivados de atos moralmente incorretos ou ilíticos que impactam a confiança e o desempenho na indústria, é a denominada ética e deontologia profissional.

A estipulação de um código de ética e conduta inclusivo e consensual, pautado pelo moralmente correto para os diferentes tipos de interações e transações, é algo dificilmente alcançável e gerível, requerendo-se sempre para esta matéria a identificação dos valores em conflito e a análise de diferentes argumentos, caso a caso. Tem havido, contudo, várias iniciativas dispersas neste sentido, ao nível de empresas, implementando programas de ética e compliance; de ordens profissionais, estabelecendo normas e regulação; e da própria Justiça, administrando leis. No final do dia está em causa a aplicabilidade e eficácia destas medidas que, em geral, se baseiam em princípios como integridade, respeito e responsabilidade.

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Simplificadamente, este domínio resume-se ao seguinte: alinhamento de interesses que movem o ser humano e seu potencial para conflito.

Na construção podem destacar-se exemplos de conflito de interesses em casos como o conluio em processos de concurso, quebras de confidencialidade, corrupção, suborno, défice de competências, e omissão de erros de projeto ou obra, em detrimento dos clientes. Neste sentido, eventuais benefícios de curto prazo são facilmente superados por consequências de médio e longo prazo que podem implicar, além da deterioração da reputação e respetivo impacto no negócio, suspensão ou anulação de licenças, multas e, no limite, processos criminais.

As relações entre os vários intervenientes em projetos de construção são normalmente baseadas em contratos, que procuram reger o modo de atuação por meio de acordos, mas que ainda assim não são suficientes para evitar mais de 90% dos conflitos na indústria, cuja causa principal reside, precisamente, na comunicação e interpretação do âmbito e responsabilidades, naturalmente influenciada pelo interesse das partes. Neste sentido, assiste-se, repetidamente, não só a insuficiências contratuais, mas a leituras e atitudes mal intencionadas ou até à negação de factos por meio de mecanismos de psychological defence que visam preservar a autoestima dos visados.   

Embora o maior incentivo para fazer o que está certo é as pessoas perceberem e sentirem que a sociedade e as organizações funcionam melhor dessa forma, demonstra-se que quanto mais regras criteriosas, regulação e Justiça houver, maior será o estímulo às boas práticas.

O desenvolvimento de processos de avaliação de risco e de procedimentos de controlo financeiros e não financeiros aplicáveis a profissionais e empresas tem sido uma tendência crescente na indústria, mas que requer liderança, formação, certificação e monitorização, aceitando resultados alcançáveis apenas a médio e longo prazo, por redução de custos de oportunidade associados a penalizações e por valorização da identidade, imagem e reputação.

Por fim, na essência, interessa saber o seguinte: seremos capazes de agir corretamente, em prol do bem comum, sob qualquer circunstância, mesmo quando “ninguém está a ver”?