Na correria do final de ano que abalou a saúde em Portugal, com as alterações vigentes da criação das Unidades Locais de Saúde em janeiro de 2024, foi também assinado pelo diretor executivo do SNS, Dr. Fernando Araújo, o documento que os cuidados paliativos em Portugal tanto aguardavam, o Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos em Portugal Continental (PEDCP) para o Biénio 2023-2024.

Em primeiro lugar o documento peca por tardio. Tardio porque um documento desta relevância, com as orientações para os anos de 2023 e 2024, ser publicado no final de 2023, traduz certamente a importância que a tutela atribui aos cuidados paliativos, bem como demonstra um profundo desrespeito pelos profissionais que trabalham arduamente nesta área tão peculiar da medicina. De resto, o documento, elaborado pela Comissão Nacional dos Cuidados Paliativos nomeada pelo Ministério da Saúde, nada acrescenta e é apenas uma cópia praticamente integral dos mesmos problemas já reconhecidos por anteriores comissões. Assim não vamos lá!

Estas orientações baseiam-se em quatro eixos prioritários e fundamentais para a generalização dos cuidados paliativos em Portugal continental – cuidados centrados na pessoa; formação; qualidade e organização.

Os cuidados centrados na pessoa são a base das várias áreas da medicina. Face à fragilidade dos doentes com quem lidamos diariamente e à importância dos seus cuidadores, este tipo de cuidados toma proporções ainda maiores. Realço que, no documento, nesta vertente, é referido: “a estratégia deste PEDCP é que os Cuidados Paliativos devem ser disponibilizados universalmente no SNS como um direito inerente à condição humana, intimamente ligado ao Direito à Saúde consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.” A estratégia não mudou, a estratégia deste plano estratégico é igual às anteriores. Todos deveríamos ter acesso a cuidados paliativos de excelência no Serviço Nacional de Saúde, mas isso não é possível. Mantemos mais de metade do território nacional continental sem acesso, particularmente às Unidades de Cuidados Paliativos e Equipas Comunitárias. E qual a principal causa para isto acontecer? A falta de visão dos nossos decisores. Destaco os presidentes dos conselhos de administração das atuais Unidades Locais de Saúde bem como da Direção Executiva do SNS e do Ministério da Saúde.

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É preciso dotar as equipas com material, transportes que permitam a visita domiciliária dos utentes pelas equipas comunitárias, bem como formar profissionais. É prioritário dotar estas equipas com profissionais que apresentem formação avançada nesta área particular de cuidados. Para isso, atualmente a maioria destes profissionais fez a respetiva formação com investimento próprio na sua educação pós-graduada. Se o PEDCP ressalta a importância de as equipas terem profissionais com formação avançada e pós-graduada nesta área, deveriam investir nisso mesmo.

Há uma responsabilização das instituições que apresentam equipas a funcionar abaixo dos rácios recomendados no que toca à formação dos profissionais, bem como em dotá-las de profissionais para manterem o respetivo funcionamento.

Com o objetivo de avaliação e monitorização da atividade das equipas, foi criado, com a Direção-Geral da Saúde, um conjunto de indicadores para manter a boa qualidade organizacional. Alguns destes indicadores não traduzem a realidade das equipas no terreno, em especial das equipas comunitárias, o que, com a nova reorganização dos cuidados paliativos em serviços integrados, ainda deturpa mais esta questão.

É essencial que os decisores e a CNCP passem algum tempo com as equipas no terreno. Numa perspetiva de crescimento e efetiva melhoria dos serviços prestados, de acordo com as diferentes realidades a nível geográfico, torna-se imperativa esta uniformização. Mas não uma uniformização no papel e na teoria, mas sim uma avaliação clara das necessidades e das realidades das equipas.

Muito ainda falta fazer. Quem está no terreno não tem mãos a medir pois as solicitações são cada vez maiores. No documento estão estabelecidas várias metas do plano de ação. Considero pertinentes algumas das ações que pretendem realizar dentro do contexto de cada eixo estratégico prioritário, sendo que outras metas são certamente irrealistas para o nosso contexto atual e que temo que passem de plano estratégico em plano estratégico ao longo dos próximos anos sem que a nossa realidade se altere.

Estudos de impacto económico sobre a nossa intervenção devem ser feitos pela tutela, mostrando a contribuição e pertinência de uma rede bem instalada de cuidados paliativos num sistema de saúde organizado.

Estes cuidados retiram pessoas do hospital. Estes cuidados permitem a muitos cidadãos, com doença crónica grave incurável ou doença oncológica avançada, partirem no conforto do seu lar, com aqueles que mais gostam e não num serviço de urgência caótico, sozinhos. É um direito dos portugueses, que devem reforçar esse direito junto do Ministério da Saúde e da Direção Executiva do SNS. É preciso agir em prol da nossa população.