Alguém com seriedade acha que a escola é determinante para influenciar os nossos filhos, seja sobre educação sexual, igualdade de género, discriminação sexual, orientação sexual e em outros temas tão sensíveis quanto populistas? Não é. A sala de aula neste capítulo é quase irrelevante. Os miúdos aprendem mais no intervalo das aulas e em cinco minutos de Internet do que em 100 horas de educação cívica. À partida, a sensibilização e a promoção para o que quer que seja sobre estes temas entram a 10 e saem a 200 pelo outro ouvido. Lembram-se das aulas de Moral? Pois, eu também não.

Mas o problema é real, é outro e não é da escola. O problema é que os miúdos crescem e educam-se sozinhos e têm a net como babysitter. Enquanto o mundo dos crescidos parece a aldeia do Asterix, onde andam todos a atirar peixes à cabeça uns dos outros e a discutir sobre conceitos que derivam entre discriminações e orientações sexuais, o mundo dos pequenos fica noutro planeta distante. É um mundo onde há miúdos que enfiam a cabeça na deep web e só a levantam por breves instantes à hora do jantar, que partilham a intimidade nas redes sociais com maior facilidade do que as avós partilhavam receitas, que convivem com pornografia desde os 10 anos em sites onde chegam pela pesquisa “como ter abdominais iguais aos do Ronaldo”. Esta é a primeira geração a crescer neste contexto obscuro, por ser imperceptível a 90% dos pais, mas os pais vivem alheados e entretidos a julgar (ou a ver) programas sobre casamentos, e divertem-se a gritar uns com os outros sobre “sensibilização versus doutrinação” da igualdade de género. É de rir, se não fosse trágico.

A escola, o Estado ou a associação recreativa do bairro não podem, não devem e não conseguem educar os nossos filhos. É um facto. E quando conseguem é porque algures se usou a força. Sim, numa sociedade livre como a nossa, podem dificultar a educação que lhes damos (e dificultar na nossa perspectiva), podem ajudar e consolidar aquilo que fazemos em casa (um privilégio) ou ser absolutamente neutros (impossível). Mas, no fim de contas, são as famílias, sejam elas as que forem e como forem, que no dia-a-dia formam o carácter, a ética e os princípios que os estruturam, que fazem a tão cobiçada doutrinação e que despertam a sensibilização dos filhos para aquilo que consideram bem ou mal. Não há campanha de sensibilização para a separação do lixo que sobreviva numa casa onde não existem caixotes para separar o plástico do cartão. Temos todos muita pena, escrevemos muitos artigos e posts sobre o assunto, mas não há nada que se possa fazer quando a família faz o contrário.

Nestes temas de discriminação, orientação sexual, etc., como em tantos outros em que se olha para uma sociedade como se fosse um rato de laboratório pronto para entregar o seu corpinho a experiências horrendas, assustam-me tanto os cavaleiros da moral e os polícias da tradição “cristã”, quanto os activistas da pseudomodernidade, da doutrinação da ideologia de género, que parecem elefantes em lojas de porcelana a coçarem as orelhas. Uns, por viverem aterrorizados com a realidade que os rodeia, que rodeia os seus filhos, agrupam-se em trincheiras e paralisam pelo maniqueísmo tão pouco cristão com que encaram o mundo. Os outros, pela avidez e despotismo com que querem impingir e desenhar uma sociedade inteira à imagem daquilo que vêem ao espelho quando acordam. À força, à bruta e contra quem põe o dedo no ar com dúvidas.

Não se fazem casas pelo telhado e não se decreta a sensibilização. A discriminação, essa, proíbe-se. Mas, para se proibir, tem de se traduzir em atitudes concretas que são previstas, não é por achismo. A ética, a tolerância e o respeito pelo próximo aprendem-se em casa e não se ensinam estruturalmente numa sala de aula – a escola é onde se treina, assim como no clube de futebol ou no coro. Por isso, faça-se o que se fizer na esfera pública — aprovem-se os currículos mais criativos, assinem-se dezenas de petições ou implementem-se todas as campanhas de sensibilização garantindo a sobrevivência das associações –, não há nada que se consiga mudar, corrigir ou alterar se os pais não fizerem ideia em que net andam os filhos a navegar ou o que andam a partilhar. É em casa, e não na escola, que o wifi é free – e é aí que tudo se decide. Tudo o resto é hipocrisia e desfile de Carnaval.

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