Assembleia Municipal de Lisboa, comemoração dos 50 anos do 25 de Abril nas instalações do antigo cinema Roma (actual Fórum Lisboa). Estava o governo da cidade, com todos os vereadores; e os deputados municipais de todos os partidos. Estavam convidados ilustres: o secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território; o embaixador da Santa Sé junto do Estado português (núncio apostólico); vários outros embaixadores e representantes do Corpo Diplomático; a provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; várias chefias militares e policiais; o comandante da Polícia Municipal; antigos vereadores e antigos deputados; funcionários e antigos funcionários da Assembleia Municipal; e, como a cerimónia decorreu em sessão aberta, estavam pessoas sem qualquer cargo público, levadas pela curiosidade, pelo ócio, ou pelo contagiante fervor patriótico. Sala cheia, não sobrava um único lugar desocupado. Projectaram-se filmes, tocou a banda dos bombeiros, e os membros da Assembleia entregaram discursos solenes. Vale a pena comentar alguns discursos, e as reacções aos discursos, na parte que se tornou mais simbólica ou mais expressiva da nossa realidade política.

Os discursos, de melhor ou pior gosto, quase sempre de uma infantilidade aflitiva, não surpreenderam nem pelo acerto nem pela imaginação, tirando um ou outro à direita. A extrema-esquerda expandiu-se em exageros e mentiras. Por exemplo, quanto ao racismo e quanto ao papel das mulheres durante a ditadura salazarista, omitindo que o Estado Novo deu o direito de voto às mulheres, explicitamente negado na lei pela Primeira República; elegeu as primeiras deputadas à Assembleia Nacional (entre elas, Maria Guardiola); elegeu a primeira deputada negra, e pelo facto peço publicamente desculpa a Joacine Katar Moreira; e o primeiro deputado negro (de resto, frequentíssimos, entre outros deputados “não brancos”, por representarem as ex-colónias portuguesas em África e na Índia); e nomeou a primeira mulher governante (Maria Teresa Lobo, subsecretária de Estado da Saúde e Assistência, nascida em Angola e de origem indiana).

À direita houve quem lembrasse o papel da direita no 25 de Abril, uma menção raríssima e profana que Martim Borges de Freitas, líder da bancada do CDS, arriscou. Para além desta insolência para com as puríssimas e esquerdistas excelências da Pátria, os discursos foram protocolares e entregues em linguagem protocolar.

Carlos Moedas começou bem. Louvou a possibilidade de ali estar aquela variedade de partidos, de eles terem voz e liberdade de expressão, e mencionou-os todos, incluindo o Chega. A meio do discurso, afligiu-se com a ameaça dos “extremos”, rendeu-se à bendita “moderação”, apontou à esquerda e à direita da Assembleia como se fossem iguais.

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A distribuição dos aplausos falou com clareza e simplicidade. A extrema-esquerda aplaudiu-se a si própria. O PS aplaudiu entusiasticamente, estrepitosamente, desavergonhadamente, todos os discursos da extrema-esquerda. E também se aplaudiu a si próprio, mas de pé, perante uma Assembleia indefesa, moída pela exaltação e oprimida pelo gosto literário do PS.

À direita, os pequenos partidos aplaudiram-se uns aos outros, mas não aplaudiram o Chega. O PSD aplaudiu educadamente alguns parceiros de coligação. Nenhum partido aplaudiu o Chega. O Chega tinha feito um discurso equilibrado e adequado.

A moral desta história divide-se em duas constatações. A primeira é que a esquerda permanece unida: o PS não põe limites ao radicalismo. Pelo contrário, continua a seduzir o radicalismo, a apoiar e a promover o radicalismo. Como sempre fez, e para seu próprio benefício. Assim que puder, volta a governar com os déspotas. A segunda é que, à direita, os partidos olham-se com desconfiança. A direita no governo, de Lisboa ou do país, põe o Chega num plano de ameaça à democracia igual à esquerda totalitária. É um erro de interpretação e um erro político que impede a direita de voltar a governar. Pode acabar de esvaziar o PSD.