Sair da zona de conforto. A expressão costuma ser escutada de cada vez que alguém decide apelar ao potencial espírito empreendedor alheio. Não chega cruzar os braços, sonhar em instalar-se ao invés de fazer obra. É preciso abandonar o aconchego de um emprego eventualmente seguro, tomar a iniciativa de criar o próprio posto de trabalho, ter ideias para criar novos bens e serviços e concretizá-las.

Em muitas ocasiões, o discurso de incentivo para que as pessoas não tenham receio de correr riscos e lancem os seus próprios negócios, chega de quem está confortavelmente instalado. Quem recebe a mensagem, dá-lhe escassa credibilidade. Falar é fácil. Vencer as dificuldades que têm de ser enfrentadas quando se gere uma empresa é menos simples. Nem toda a gente tem perfil para aguentar a pressão e garantir que o projeto atinge a viabilidade económica.

Adriano Campos e José Soeiro, autores do livro intitulado “A Falácia do Empreendedorismo”, criticam a cultura que tomou forma e se afirmou durante os anos mais recentes. Empreender, no sentido de cada desempregado apostar no lançamento de um negócio, seria a via para resolver os problemas da elevada taxa de desemprego, sobretudo entre os cidadãos mais jovens. E na narrativa que acompanha a boa nova do empreendedorismo estaria a origem de uma das falácias que tentam denunciar na obra em causa.

Há alertas que fazem sentido. Apenas uma reduzida percentagem das novas empresas consegue sobreviver para além dos anos de arranque. A taxa de sinistralidade é elevada porque a ideia foi mal desenhada ou porque quem a coloca em prática não estava preparado para o embate com a realidade, entre muitas outras razões. Numa startup, os recursos são escassos e as competências exigidas para alcançar o sucesso são muitas.

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Os promotores têm de cuidar de todos os aspetos da vida do novo negócio, desde a conceção à gestão da tesouraria, da área comercial à gestão dos recursos humanos. E ainda lhes cai sobre os ombros a necessidade de saberem ser flexíveis e atentos, com o objetivo de mudarem de rumo aos primeiros sinais de que o mercado estará recetivo se o produto for ajustado àquilo que os clientes e consumidores pretendem.

Este não é um conjunto de tarefas e de responsabilidades que possa ser exercida por qualquer um. Num trabalho publicado no Observador, diversos empreendedores deram conta dos receios que acompanham o seu dia a dia. Têm medo? Sim, confessaram que o sentem. A diferença está na circunstância de a ansiedade sobre o desempenho não lhes tolher a motivação para continuar. E, também, na capacidade para incentivar as pessoas com quem trabalham a não baixar os braços.

Ser empreendedor não tem de significar, necessariamente, ficar-se associado à criação de uma empresa. As organizações precisam de contar com trabalhadores motivados, capazes de tomarem a iniciativa e de contribuir para o êxito da organização em que estão integrados, quer se trate de empresas do setor privado ou de entidades do setor público.

A narrativa do empreendedorismo tem aspetos criticáveis, aqueles que, por vezes, parecem apenas sublinhar que basta querer para que quaisquer planos ou sonhos se concretizem. Ou que cada uma das pessoas penalizadas por uma situação de desemprego terá, num qualquer projeto empresarial, a via para superar todos os problemas. Mas, pior, é não a interpretar aquela narrativa de um ponto de vista abrangente.

Empreendedores não são apenas aqueles que criam um negócio, mas todos aqueles que, mesmo trabalhando por conta de outrem, partilham o risco e são partes interessadas no sucesso do projeto. Também saem todos os dias da respetiva zona de conforto.