Luís Vaz de Camões, um dos nossos maiores e mais geniais, que me perdoe. Mas esta pátria, sem dúvida amada, não é ditosa, tal como o poeta canta n’ Os Lusíadas. É exatamente o seu contrário.

Segundo consta, o meu avô paterno, oficial de Cavalaria, militar com carreia distinta e condecorado com o colar de Torre e Espada, a mais alta condecoração militar do Estado português, desabafava algumas vezes, sufocado pela penúria de quem teve 10 filhos: má sorte ter nascido português.

Claro que há sortes bem piores. Mas a pátria é madrasta no que toca às condições materiais que nos oferece.

Quero contar duas histórias de amigos próximos.

A primeira é a do LV. Altamente qualificado, engenheiro mecânico, MBA, longos anos diretor de procurement numa empresa reputada no mercado. Há algum tempo, a empresa fez uma restruturação e apresentou um plano de rescisões amigáveis aos seus trabalhadores.

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O LV, já na casa dos 50 anos, viu ali a oportunidade única de concretizar o sonho duma vida: ter um restaurante, algo possível de acontecer com a compensação generosa com que a empresa acenava.

Dito e feito, o LV, que nada sabia de restauração, senão como cliente de bons restaurantes, e menos ainda de cozinha, montou estabelecimento na cidade de Setúbal. Investiu nisso o que tinha sido pago pela empresa para se ir embora. Cometeu alguns erros, o maior deles, talvez, a localização que escolheu, mas teve, sobretudo, muito azar. Passado pouco tempo da inauguração, onde tive o prazer de marcar presença, para dar força ao projeto de mudança de vida dum velho amigo, bateu-lhe à porta do restaurante uma pandemia.

Casa e clientela ainda a dar os primeiros passos e por estabelecer e, de repente, portas fechadas, receitas a zero e contas e ordenados por pagar. O LV lá foi aguentando, indo ao resto das poupanças que ainda lhe sobravam. O mal estava feito e o sonho destruído. O restaurante ainda reabriu após a pandemia, mas o tempo para restabelecer o negócio de forma sustentável já tinha passado.

LV conseguiu trespassar o espaço, vender os equipamentos, saldar todas as contas. E começou a enviar currículos para inúmeras empresas. Engenheiro Mecânico, com um MBA. Nenhuma empresa portuguesa lhe respondia, nem sequer o chamavam para entrevistas. Talvez a idade, pensou, isto de estar a meio dos 50 não ajuda. LV começou a deprimir, a ficar preocupado, sem perceber que futuro poderia ter, ainda com filhos menores a cargo.

Não perdeu a cabeça, não desistiu. Reinventou-se. Tirou a carta de pesados e, com essa habilitação, voltou a enviar currículos. Desta feita, com grande aposta no estrangeiro. Foi convidado para entrevistas online de empresas um pouco por toda a Europa. Hoje, está na Dinamarca, a conduzir camiões no aeroporto de Copenhaga, ganha o dobro do que ganhava como diretor duma empresa importante em Portugal. Está feliz, motivado, tem uma vida nova toda à sua frente e encheu-se novamente de esperança.

A outra história é a do MC. Jovem licenciado, quadro intermédio duma instituição bancária em Portugal. Dois filhos ainda muito pequenos. Com a inflação e o aumento das taxas de juro, fez contas e percebeu que não ia aguentar as prestações da casa e do carro, as creches dos filhos, a alimentação e todas as outras despesas duma família normal, sem luxos, nem mordomias. Apenas o essencial. Pediu um aumento. Não lhe deram.

Começou a enviar currículos para outras empresas do ramo em Portugal. Nem sequer se dignaram responder. Nada. Mais de 50, segundo me contou. Apenas duas ou três com o paleio habitual, “muito obrigado, gostámos muito da sua candidatura, mas agora não dá, quem sabe, talvez, no futuro…”

Enviou três currículos a concorrer para posições fora de Portugal. Responderam as três empresas. Duas quiseram entrevistá-lo. Uma contratou-o de imediato e sem pestanejar.

Está agora na Suíça, numa outra instituição bancária, num nível abaixo, em termos hierárquicos, do que estava em Portugal, mas a ganhar o triplo.

MC deixou a família por cá, está triste, queria continuar junto dos seus e a trabalhar e viver no seu País, mas não dá. Pelo menos, está aliviado, consegue pagar todas as contas e ainda lhe sobra dinheiro. O mais provável é que a jovem mulher e as duas crianças deixem Portugal em breve e se juntem ao MC na Suíça. Provavelmente, nunca mais voltam. Ganham elas. Perde Portugal.

Má sorte, ter nascido português.

Mas isto não é um fatalismo. Se continuarmos a fazer tudo igual, da mesma maneira, e a fazer as mesmas apostas esgotadas em modelos económicos e de desenvolvimento condenados ao fracasso, claro que a sina não se altera.

A mudança está nas mãos de quem vota e decide que rumo deve Portugal seguir. Em nós. Vamos continuar resignados e a acreditar na história de que não há alternativa a isto?