Mais um ano em que milhares de estudantes, portugueses, estrangeiros, atletas de alto rendimento, refugiados, beneficiários do escalão A do abono de família, ingressam no Ensino Superior. Público. Privado. Cooperativo. Na impossibilidade de ingressar no ensino superior público e pelas mais diversas razões, centenas de estudantes que querem prosseguir os seus estudos, candidatam-se ao ensino superior privado, muitas vezes com enormes sacrifícios dos seus agregados familiares, até porque contas feitas, a deslocalização dos alunos para fora dos distritos de residência não compensa às famílias, preferindo muitas vezes, o acesso ao privado, perto das suas casas.

Este ano o Governo criou um projeto no qual os alunos mais carenciados têm vaga no ensino superior público (Alunos mais pobres terão vagas em todas as universidades e politécnicos já este ano – Observador), não sendo especificado se a base é ser carenciado ou se as notas têm algum peso nesta equação. Implementou igualmente um sistema de atribuição de Bolsas de Estudo, através da DGES, em que todos os estudantes que ingressem no ensino superior público e sejam beneficiários dos escalões A, B ou C de abono de família têm automaticamente direito a uma Bolsa de Estudo.

Recentemente, foram anunciadas controversas “Medidas de Apoio aos Jovens” como forma de reter talento em Portugal. O Governo propõe-se a devolver (incluindo aos estudantes que beneficiam de Ação Social, ou seja, de bolsas) na íntegra o valor de €697 que aos dias de hoje é a propina anual de uma Licenciatura no ensino público ou de €1500 em situações de mestrado. Mas para que esta devolução aconteça convém que o jovem trabalhe em Portugal, entregue o IRS, preferencialmente o IRS jovem (que para ter efeitos práticos terá se ser acima do abatimento do mínimo de existência, pois esse está automaticamente fora de tributação) deixando de constar como dependente no seu agregado.

Tudo isto, sem avaliar o impacto desta medida (e a sua operacionalização no sistema da Autoridade Tributária), nas famílias em particular as monoparentais e as numerosas. Feitas as contas, todo e qualquer aluno que seja beneficiário de abono de família tem, automaticamente, direito a uma bolsa de estudos, cujos valores anuais oscilam entre os € 5 981,73 e os € 871,25 pagos em 10 meses.

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E os estudantes cujos agregados vivem idênticas fragilidades que os alunos que ingressaram no público, mas estão no privado? Estes alunos são aqueles que também beneficiam de prestações sociais, também vão no futuro entregar IRS, também integram a sociedade mas… estão matriculados no ensino privado (repita-se, em muitos casos por economia de custos de deslocalização do ensino público), onde concorrem a uma bolsa em Setembro e com muita sorte a resposta (porque aqui não existem automatismos) chega antes de terminar o ano (na maior parte das situações leva meses). Terminam as licenciaturas no privado, foram bolseiros, trabalham, entregam o IRS mas, o ensino era privado, não há direito ao reembolso de €697.

Vivemos num país em que se diferenças abismais existem nos ambientes laborais, neste momento cria-se propositadamente um fosso entre os estudantes, diferenciando à partida a instituição onde concluí a sua licenciatura e/ou mestrado. Voltamos a um tempo em que só os ricos podem ousar estudar. E em momentos de crise a estratégia é também miserabilista, pão e circo – em 2024 o Governo vai oferecer um presente de maioridade: viagens de comboio e estadias em Pousadas da Juventude a todos os jovens que completem 18 anos, que tradicionalmente serão os mesmos que daqui a um ano se confrontarão com o acesso ao ensino superior.

A União Europeia (UE) aponta metas para um ensino superior inclusivo e com ligação à sociedade. E não podia ser mais clara: “Para garantir sistemas de ensino superior inclusivos e com ligação à sociedade são necessárias as condições certas para que os estudantes possam ter êxito independentemente do meio de que são oriundos.” E vai mais longe, “isto não se resume à questão de oferecer apoio financeiro aos grupos desfavorecidos, embora este seja vital para os estudantes provenientes de meios com baixos rendimentos.”

Para a UE não é suposto existirem filhos e enteados, mas Portugal insiste em filhos de um Deus menor.