Ponto prévio – Deparamo-nos hoje em Portugal com uma das mais graves crises de habitação dos últimos 40 anos, que emerge a partir de dois vetores distintos, mas que confluem:

  • Na reduzida oferta de habitação face à elevada procura, induzindo a um aumento dos preços.
  • Na procura  elevada de serviços de construção civil, face à capacidade produtiva instalada no mercado, o que contribui para o crescimento dos preços e permite aos players do setor optarem apenas pelos trabalhos de maior valor acrescentado.

Dito isto, recuemos ao início da década de 80 do século passado.

Também nessa fase da nossa história, na sequência de um período de governação socialista, o país foi confrontado com um ciclo económico negativo, que obrigou a uma intervenção do FMI e teve significativo impacto no setor da construção civil, levando ao encerramento de inúmeras empresas.

No entanto, o setor mantinha uma elevada disponibilidade de mão de obra, condição que viria a revelar-se essencial para, com a conjugação certa de vários fatores, permitir uma rápida recuperação desta fundamental atividade económica.

O final dessa década de 80, oferece-nos a receita ideal.

Instala-se uma forte cultura de aquisição de habitação própria, a economia global entra num período de descida acentuada das taxas de juro e da inflação, assiste-se a uma reestruturação e elevada dinamização da atividade bancária e em particular do crédito à habitação, as revisões dos PDM`s generalizam-se mantendo os preços dos terrenos controlados.

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O setor da construção, em crise no início da referida década, entra então num período de forte dinamismo e rápida recuperação, para o qual e repito, foi essencial o significativo número de trabalhadores que se encontravam disponíveis no mercado.

Na sequência da crise 2008-2010, o setor da construção civil entra em nova e acentuada crise. Após mais um período de governos socialistas, não fugindo à regra, experienciamos uma nova intervenção do FMI.

Todo o contexto económico é substancialmente diferente do que se seguiu à crise da década de 80, nomeadamente no que respeita ao comportamento das taxas de juros e ao cenário inflacionista, que por si só, revestiriam esta crise da habitação de características essencialmente conjunturais e, por consequência, de previsível resolução num espaço temporal mais curto.

Mas analisemos três aspetos em particular:

1º Falta de mão de obra. É dramática e com tendência para se agravar. O setor refere um défice de cerca de 80 mil profissionais para as necessidades atuais. Se aumentarmos a construção de habitação, como se espera, a necessidade de força de trabalho será ainda maior.

E porque é que isto acontece?

Passamos anos a estigmatizar social e culturalmente a profissão de operário de construção civil. Desde a forma depreciativa como usamos a palavra “trolha” até ao péssimo nível de remuneração da profissão. Um disparate, obviamente, pelo qual estamos a pagar caro.

Hoje é dificílimo levar um jovem para a construção civil e um bom operário do setor leva anos a formar.

É necessário mudar este paradigma. Reabilitação da imagem da profissão, bons cursos profissionais, salários mais atrativos,…

2º Escassas empresas disponíveis para a construção de habitação de preço médio. No decurso da crise de 2008-2010, encerraram inúmeras pequenas e médias empresas, que asseguravam este mercado. Ao contrário do que aconteceu na crise da década de 80, o setor não se regenerou em dimensão. As empresas que ficaram, reestruturaram-se, internacionalizaram-se, apostaram na habitação de luxo com procura em crescendo e muito maior valor acrescentado, e foram assegurando as obras públicas.

O mercado de habitação de preço médio deixou de ser atrativo e o volume de trabalho com origem nos outros mercados chega e sobra para os players que operam no setor.

Não precisando, ninguém deixa galinhas de ovos de ouro como são a habitação de luxo e as obras públicas, para afetar capacidade produtiva a trabalhos com margens muito menores ou a troco de alguns ganhos fiscais.

São necessárias mais, muito mais empresas no setor, o que só se conseguirá com incentivos à sua criação e com a resolução a montante do problema da mão de obra.

3º Preços dos terrenos. Acrescem aos pontos anteriores os elevados preços dos terrenos que estão a onerar excessivamente o preço final do produto, e onde os PDM`s, muito naturalmente, terão uma palavra a dizer.

É neste contexto, que desaguamos num complexo e dramático estado de emergência nacional. E porque é de emergência que falamos, justificam-se e aplaudem-se algumas medidas que têm vindo a ser apresentadas pelos partidos da oposição, que constituirão um contributo para mitigar no mais curto espaço de tempo possível um drama social que se agrava todos os dias.

Mas desenganemo-nos, a crise habitacional que muitos de nós julgavam ser meramente conjuntural, tem vindo a demonstrar-se profundamente estrutural, de elevada complexidade e cujas soluções terão apenas resultados a médio prazo.

É na base da pirâmide, onde é visível a escassez de mão de obra e de empresas, que reside o maior dos problemas. É aqui que tem de começar a solução. Se não houver quem construa, qualquer medida a jusante será inócua ou terá características de mero paliativo.