A política está em processo de descredibilização. Não será necessária uma análise exaustiva para identificarmos a evolução da perceção generalizada. A comunidade no seu todo, ao invés de ver refletida na política uma atividade que, exercendo o poder, gere a coisa comum tendo por objetivo o bem estar coletivo, interpreta-a como um jogo de uma minoria de personagens, empenhadas no objetivo primeiro de exercerem e manterem o poder.

Não há inocentes neste processo. Subvertendo a definição de “animal político”, valorizamos inconscientemente, não aqueles que melhor gerem, mas aqueles que melhor “jogam”, sem nos apercebermos do prejuízo que causamos ao nosso futuro comum.

O exercício e manutenção do poder são a relevância, a finalidade primordial. O discurso, não raras vezes, é apenas um despudorado hino à desfaçatez.

O caso das “costas largas” de Passos Coelho

O Partido Socialista governou em cerca de 20 dos últimos 25 anos. Quem gere é responsável pela gestão e pelos resultados alcançados. Não há outra análise possível. Não são admissíveis subterfúgios ou qualquer manobra escapatória.

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A gravíssima situação da habitação, a disfuncionalidade da justiça, o estado da educação, a via férrea obsoleta, …, não aconteceram simplesmente. O país não chegou a este estado por um passe de magia, por karma ou por falta de sorte. Aqueles que nos gerem, que quase ininterruptamente desde há 25 anos assumem a condução do destino do país, são indubitavelmente os responsáveis.

Mas estamos num jogo! A desfaçatez instala-se! Indiferentes aos erros, às sucessivas demonstrações de incompetência, recorrem amiúde às “costas largas” de Passos Coelho.

Aquele que interrompeu anos de má gestão, que governou em condições extremamente difíceis e sob intervenção da troika, que corajosamente assumiu a liderança de um país deixado em estado de bancarrota pelos socialistas é, numa perspetiva desprovida de qualquer nexo, o alvo escolhido para justificar o erro alheio. Jogo político servido com puro cinismo!

O caso do “bicho papão” da extrema-direita

Iniciativa Liberal e PSD já definiram com clareza, e bem, as fronteiras da sua política de alianças. Já o disseram, repetiram e traçaram as linhas vermelhas. Não têm de continuar a falar sobre o tema. É um não-assunto.

Não obstante, o repetido discurso de diabolização do Chega e da recorrente questão das alianças colocada à direita moderada tornou-se uma espécie de momento “mainstream” da política portuguesa. Uma armadilha estratégica tão antiga e banal em que a direita vai caindo sem apelo nem agravo.

Importa é não normalizar a extrema-direita! É esse o mote propagandístico. A receita do temível bicho papão para evitar que a esquerda saia do poder.

Tudo o resto vendem-nos como sendo normal, sejam alianças com partidos que apoiam Putin ou os futuros aplausos à formação de um governo espanhol apoiado pelos herdeiros da terrorista ETA, num ato de normalização da mais profunda anormalidade histórica, política e social. Jogo político servido com o mais puro cinismo!

À direita moderada compete-lhe credibilizar o ato de fazer política, preservar a qualidade, a coerência e a honestidade do discurso. E é nesse processo de credibilização que não deve deixar de questionar a esquerda, se está preparada para assumir a sua responsabilidade pelo estado a que chegou o país ou se, numa futura política de alianças, está disponível para “normalizar” partidos que apoiam o ditador que constitui a maior ameaça para a paz mundial e que justificam atos terroristas como o que agora assistimos contra o estado de Israel.