Ter irmãos é reconhecermo-nos neles, a cada passo, até nas muitas diferenças que possam separar-nos. É sabermos o sentido da pertença visceral, inteira, absoluta. É ter parte de e fazer parte de. Com irmãos, é verdadeiramente o sentido do Outro que se torna intrínseco. E isso faz muito por aquilo que cada um de nós é e pode ser.

Conheço e sou amiga de muitos filhos únicos, mas confesso que sempre lhes admirei em dobro tudo o que têm de admirável. Para eles, foi diferente e mais difícil. Faltou-lhes a vivência íntima e precoce da coisa dividida, do amor partilhado, do espaço disputado, da descoberta conjunta, do caminho cúmplice. Faltou-lhes o privilégio de nascerem com a certeza de um mundo para além deles. Faltou-lhes o desafio identitário de uma autonomia construída a partir da tensão – ora centrífuga, ora centrípeta – com o comum e o heterónomo.

Os irmãos cimentam a nossa vida, são a argamassa que nos faz gente. Com eles andámos para cá e para lá. Com eles conhecemos as muitas pessoas que, antes de outras, deram cor e cheiro às nossas vidas. Com eles chorámos as primeiras lágrimas e a eles voltámos para outros choros vida fora. Com eles ousámos aventuras sem volta, experimentámos medos inconfessáveis, partilhámos conquistas, dividimos frustrações, sofremos perdas. Com eles demos irrecuperáveis gargalhadas de infância e com eles continuamos a rir – por vezes, sobretudo a sorrir – ao ritmo dos anos que passam. Com eles fomos verdade, às vezes frágeis, às vezes fortes, às vezes hesitantes, às vezes resilientes, às vezes ternos, às vezes duros. Com eles vivemos o que está inscrito no mais fundo dos nossos corações, da nossa personalidade, da nossa história, de tal modo que qualquer troca de olhares pode, muitos anos depois, seja qual for o pretexto, levar-nos de volta a uma mesma memória, uma mesma emoção ou uma mesma saudade.

Antes de tudo, os irmãos são presença. Estão connosco, são connosco. E, antes de todos, contamos com eles. Como esperamos que contem connosco, que precisem de nós, que não prescindam nunca de que sejamos por eles e com eles.

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A vida muda, vai mudando, a família transforma-se, as casas são outras, as caras também, os ritos vão ganhando e perdendo atributos, mas os irmãos são constância no tempo que passa, são ontem, hoje e amanhã. Crescem connosco, amadurecem connosco, envelhecem connosco.

Eu tenho uma irmã. Nasceu quando era ainda demasiado pequena para me lembrar. Não tenho memória de viver sem ela e essa é uma das grandes felicidades da minha vida. Esteve sempre, fomos sempre duas, nunca vi o mundo sem ela. A generalidade das pessoas diz que somos muito diferentes. E somos. Mas somos, também, muito parecidas. E não sei o que mais nos aproxima e irmana, se as diferenças, se as parecenças.

A essência é a mesma. No fundo de cada uma está uma mesma massa. Tudo depurado, decantadas todas as derivas impostas por percursos diversos, está lá uma mesma base. E a ela voltamos. Ao colo que tivemos, ao chão sólido que nos deu vida, aos exemplos e ensinamentos que nos moldaram. Aí está e estará sempre a nossa paz. E ambas sabemos que é assim.

A graça de ter irmãos é tão grande e tão óbvia que nunca percebi por que não é devidamente celebrada. Por isso, quando enfim se promove o Dia dos Irmãos, 31 de Maio, junto-me à festa e saúdo os que deram corpo à ideia. É um excelente projecto. Faz falta parar para celebrarmos os Irmãos, os nossos Irmãos, o Irmão, a Irmã de cada um… São demasiado importantes, demasiado valiosos, demasiado imprescindíveis para que não nos assumamos imensamente gratos.

Os Irmãos são uma dádiva maior da Vida. E merecem ser honrados como tal.

Advogada