A recente renúncia ao cargo de Primeira Ministra da Nova Zelândia por parte de Jacinda Ardern é elucidativa de como a responsabilidade deveria ser um dos mais importantes baluartes intrínsecos a todos aqueles que são ou pretendem vir a ser titulares de cargos públicos.

Em 2017 Jacinda Ardern tornou-se a primeira ministra mais jovem a assumir o dito cargo, mas não haveria de tardar muito até que a sua idade invulgar, aliada à sua aparência algo franzina, sofresse uma edificante e estruturada metamorfose ao nível das primeiras impressões que haviam sido formadas, num primeiro momento, acerca da própria. Fruto de uma mistura, bem conseguida, de empatia, força e determinação, depressa Jacinda Ardern se tornou numa proeminente e incontornável figura política, quer na Nova Zelândia, quer ao nível mundial. Para isso contribuiu o facto de ter superado inúmeras situações de adversidade invulgar, enquanto estava à frente dos destinos do seu país. Desde o pior ataque terrorista de sempre, que dizimou um total de 51 vidas, em duas mesquitas na cidade de Christchurch, até à gestão férrea da crise pandémica, com resultados que posicionaram o país num lugar de destaque relativamente às diminutas mortes associadas e também à irrisória manifestação da doença na população, passando pela erupção de um vulcão, a verdade é que a jovem primeira ministra foi sendo ovacionada, quer pelo seu coerente percurso executivo, quer pela sempre assertiva e humana titularidade do cargo.

Ao longo do tempo soube sempre posicionar-se com o propósito de fazer mais e melhor pelo seu país. Conseguiu que se aprovasse importante legislação no âmbito do controlo de armas, tentou colmatar a gravíssima crise habitacional vivida no país, tendo sido responsável pelo maior movimento de construção de habitação social de que há memória, empenhou-se na erradicação da pobreza infantil, teve um papel decisivo em muitas das mudanças que se operacionalizaram no que se referiu à legislação laboral.

À medida que o tempo ia passando foi lidando com momentos de alguma tensão e contestação da população, quer a propósito dos restritivos confinamentos pandémicos, quer a propósito de movimentos anti-vacinação, entre outros.

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Foi-se superando dia após dia, até que a crescente inflação, decorrente da actual conjuntura internacional, aliada a outras questões de difícil resolução, começaram a beliscar aos poucos sua popularidade, até então quase que imperturbável, e a trazer algum desconforto e cansaço.

Reconhecendo que o tempo dedicado em prol do exercício do serviço público subtraía tempo irrecuperável à sua vida familiar e à sua participação activa na vida da filha, prestes a iniciar o seu percurso escolar, Jacinda Ardern decidiu, surpreendentemente, renunciar à titularidade do cargo e reverter a situação em que estava imbuída.

Muitos dirão que o fez porque constatou que os índices de popularidade que lhe estavam associados, aliados à nova conjuntura política, poderiam vir a implicar uma possível derrota nas próximas eleições. Outros tantos dirão que tal decisão foi consequência da sociedade fortemente patriarcal em que vivemos, onde as mulheres são sempre “empurradas” a tomar decisões que as lesam pela dificuldade inerente em cumprir com sucesso os pressupostos inerentes aos muitos papéis que são obrigadas a assumir. Podem fazer-se várias conjecturas acerca deste acto, surpreendente e invulgar, mas a verdade é que a primeira ministra neo-zelandeza sempre soube reconhecer prioridades e foi sempre uma líder com intelecto invejável que, aparentemente, nunca se inebriou com o poder.

A sua postura na vivência do cargo que ocupava foi sempre vivida sem ego. Ocupar o cargo para fazer o melhor pelos outros, mas não deixar que o cargo pudesse ocupá-la, usurpando-a. Realmente nos antípodas do que grassa no nosso país, quer a nível local quer a nível nacional.

Jacinda, à semelhança de kiwi, uma espécie endémica de pássaros existente na Nova Zelândia, evoluiu ao ponto de optar por deixar de voar, assumindo o comprometimento ímpar com a sua família, muito especialmente com a sua filha e companheiro, a quem se dirigiu no discurso de renúncia ao cargo, e também o comprometimento e respeito pelo self-care, cada vez mais determinante nos dias de hoje.