Não gosto nada que se fale da violência dos filhos sobre os pais como se estivéssemos num mundo decadente que se vai desmoronando, devagarinho, diante dos seus valores mais fundamentais. É claro que haverá sempre alguém que recorde “a frieza dos números”. E aí apresente as mais de 4000 queixas apresentadas à APAV, por pais agredidos pelos filhos em contexto doméstico, entre 2008 e 2013.

Mas a violência dos filhos é um exemplo da decadência dos jovens em relação aos pais. Nem sequer é uma novidade dos tempos modernos. Ela sempre existiu! E – não, não presumam pf – que, com isto, eu pretenda colocar alguma normalidade num comportamento grave e grave, como este. Mas só queria descentrar-vos dos números para pensarmos sobre este assunto doutra forma

“Filho és pai serás, assim como te fizeram assim tu farás” não tem uma correspondência tão linear e tão fatal como uma frase dessas deixa antever. Há inúmeros bons filhos quem transcendem (em muito!) os cuidados, mais ou menos omissos, que não tiveram por parte dos seus pais. E que insistem ser, como filhos, mais presentes e mais cuidadosos do que os seus pais terão sido para consigo. Mas é verdade que, ao contrário destes filhos, muitos outros se colocam diante dos seus pais duma forma rude e retaliatória em relação a tudo aquilo que entendem ter tido direito e que, por uma questão ou por outra, sentem que lhes faltou. E há, ainda, filhos que não conseguem ocultar os maus-tratos de que se terão sido vítimas por parte dos seus pais. Aos quais respondem, por causa disso, com actos de negligência e de maldade. Alguns destes diversos filhos são, hoje, seguramente, pais de adolescentes.

Mais deixemos estes desencontros graves e foquemo-nos nas queixas de maus-tratos verbais por adolescentes em relação aos seus pais. Queixas que são demasiado vulgares! Começa por ser inadmissível que haja filhos que, no calor duma fúria, digam aos pais que eles estão “velhos”. “Chechés”. Que “não estão bons da cabeça”. Ou que, quando forem mais velhos, irão parar a um lar de idosos e que nunca mais terão visitas. E é, igualmente, grave que, a pretexto das “hormonas”, haja filhos que hostilizem os pais, os desafiem e insultem, difamem ou utilizem com eles uma linguagem obscena. E é, igualmente, grave que os pais sintam “medo” de filhos adolescentes à medida em que eles ficam maiores, mais agrestes e mais inacessíveis. E que, em consequência disso, “fechem os olhos” aos seus maus modos. À forma como eles “ditam as regras”. E ao modo como se transformaram em “enclaves com autonomia administrativa” em relação a tudo: arrumação, limpeza, horas de refeições, etc. E continua a ser grave que os pais se encolham e encolham sobre as exigências e os caprichos dos filhos, apresentados como “direitos”, diante dos quais fazem sacrifícios enormes enquanto se privam do essencial a que eles, pais, têm direito. E não deixa de ser moderadamente grave todos os “eu é que sei!” com que muitos adolescentes, entre o impertinente e o insolente, “arrumam” os pontos de vista sensatos e prudentes dos seus pais. E não deixa de ser, ainda, um bocadinho grave que, à boleia do inglês ou das novas tecnologias, os filhos desconsiderem a sabedoria dos pais com a sua conivência envergonhada. E os “amarfanhem” para lá do que devia ser.

E, não, não estou a tentar dizer que todos os adolescentes sejam violentos com os seus pais. Estou, antes, a recordar que os pais – porque os adoram, porque colocam expectativas e mais expectativas sobre eles, ou porque se orgulham interminavelmente com os filhos que têm… – não podem permitir que as respostas, o tom das respostas, ou alguns comportamentos dos filhos os magoem. Porque uma dor que não se releva corre o risco de se transformar num sofrimento que se banaliza. Com tudo o que isso traz de prepotente ao comportamento dos filhos. E de humilhante às atitudes dos pais. O que estou a tentar dizer é que, devagarinho, os pais alimentam, de forma involuntária mas assustada, comportamentos dos filhos em relação a eles que jamais deviam permitir que existissem. Porque à medida que não educam os filhos em relação a estes comportamentos agressivos, e tudo se transforma numa espécie de “novo normal”, vão “perdendo”, aos poucos, a admiração pelos seus filhos. Para que, seguida, os percam; realmente. E, de comportamento mais agressivo em comportamento mais agressivo, vão deixando que, silenciosamente, se vá no caminho da violência das atitudes dos filhos em relação aos pais. Até se chegar ao “Eu já não tenho mão nele…”. Com tudo  o que isso tem de trágico e de inadmissível.

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