A AD começou por propor medidas moderadamente liberalizadoras em matéria de saúde, de educação e de impostos, com potencial de atração dos seus antigos eleitores de centro-direita que tinham passado a abster-se quando os respetivos partidos, quiçá por influência das políticas europeias, deixaram de combater o paradigma estatizante.

As referidas medidas poderiam ter sido mais arrojadas se à restauração das parcerias com os hospitais privados tivesse sido acrescentada a devolução com indemnização dos hospitais confiscados às misericórdias, se à recuperação da exigência curricular e à restituição do tempo de serviço dos professores tivesse sido associada a introdução de exame de entrada e avaliações externas na carreira docente, se à redução da taxa do IRC tivesse sido associada a eliminação sumária de todos os regimes de isenção fiscal em vigor e se à redução das taxas do IRS tivesse sido associada a redução da pletora de escalões e sobretudo a divisão da matéria coletável por todos os membros da família em pé de igualdade.

Mas, ainda que pouco arrojadas, as medidas em apreço deram o sinal de que nesses domínios alguma coisa tinha sido aprendida com a governação da Região Autónoma dos Açores nos últimos três anos e portanto criaram condições para o voto útil à esquerda da AD.

No entanto, o programa remanescente da AD, divulgado mais tarde, não incluiu medidas com a mesma intencionalidade ideológica em matéria de defesa nacional, eutanásia, auto-determinação de género, regionalização, descentralização, imigração, nacionalidade, pensões ou transição energética.

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Ou seja, a ruptura moderada de paradigma que a AD conseguiu significar inicialmente em matéria de saúde, educação e impostos não teve depois seguimento nas outras matérias o que deu um abanão muito forte nas perspectivas de voto útil à sua direita.

Não admira por conseguinte que, apesar do bom desempenho do seu líder nos debates televisivos, a descolagem da AD em relação ao  PS tenha subido apenas dois pontos, de 4 para 6 por cento, e que por conseguinte não possamos excluir um cenário em que a alternância democrática, ao fim de três legislativas, dependeria dum acordo parlamentar com um partido que, embora sem quadros nem experiência suficientes, terá subido em dois anos para o dobro nas intenções de voto do eleitorado, justamente porque foi deixado sozinho na resistência às chamadas causas fraturantes.

No clima de exaltação em que atualmente vivemos convinha pois determo-nos algum tempo a olhar para o que aconteceu na Suécia numa situação muito semelhante àquela em que provavelmente nos encontraremos depois de 10 de março.

Na sequência das últimas eleições legislativas, em setembro de 2022, perante a perda da maioria dos lugares no parlamento pela esquerda no seu conjunto, o partido social-democrata (S/SAP), equivalente ao nosso PS, o mais votado, e com mais deputados do que no parlamento anterior, não reivindicou continuar no poder ao cabo de oito anos de governação ininterrupta mas declarou-se derrotado, sabendo embora que a direita não poderia governar sem o apoio do segundo partido mais votado, com um quinto dos votos, o partido dos democratas suecos (SD), equivalente ao nosso CHEGA.

E com esse elevado sentido de estado, o S/SAP abriu o caminho a que o terceiro partido mais votado, o partido dos moderados (M), equivalente ao nosso PSD, em coligação com os cristãos-democratas (KD) e com os liberais (L), formassem um governo minoritário mas com estabilidade garantida para toda a legislatura graças a uma acordo de incidência parlamentar com o SD.

Ambos os acordos, o acordo entre os três partidos que participam na coligação e o acordo da coligação com o partido que os apoia no parlamento (supply and confidence agreement na nomenclatura de Westminster), têm estado a ser respeitados com grande serenidade política e social como é próprio duma democracia consolidada pelo que há já mais de um ano que a Suécia, um dos países até agora mais ativos na promoção global da agenda cultural da esquerda, vive pacificamente sob um governo de centro-direita apoiado por um partido que no Parlamento Europeu se senta ao lado do VOX.

E no entanto, como seria de esperar tendo em conta o alcance do apoio parlamentar que o SD prometeu ao novo governo, as prioridades do programa do partido e o lugar que as urnas lhe deram, o acordo de incidência parlamentar é extenso e detalhado cobrindo seis áreas: saúde, crime, clima e energia, imigração e integração, educação, crescimento e economia.

Mas as reformas de políticas públicas estabelecidas que o governo da coligação já submeteu ao parlamento ao abrigo do acordo com o SD tiveram apoio maior do que a pequena maioria da direita no seu conjunto, o que mais uma vez demonstra a elevação com que a classe política sueca reconheceu que, a bem da democracia e portanto da alternância no poder, era impossível continuar a excluir das responsabilidades legislativas um partido que já representava 20 por cento do eleitorado.

Esperemos que, perante os resultados que possam sair das eleições de 10 de março, os nossos políticos, jornalistas e dirigentes associativos se comportem com a mesma elevação e desprendimento que os seus congéneres suecos demonstraram e assim possamos evitar a convocação de novas eleições legislativas daqui a alguns meses.