Ainda que, infelizmente, pelas piores razões, a violência doméstica esteja sempre na ordem do dia, o facto de envolver dois “socialites” vem trazer mais luzes para a ribalta desta infame realidade que não escolhe idade nem estatuto social.

Muito se tem falado, apontando a especial fragilidade do caso em apreço, por estar em causa uma mulher de bastante idade, o que fragiliza ainda mais a já, por regra, muito frágil situação das mulheres neste contexto.

E deste modo, este caso congrega em si duas situações especialmente frágeis, que têm dado origem a muitas análises e comentários, nomeadamente à triste situação em que vários idosos se veem quando, por acasos da vida, passam a depender de um cuidador.

Como pessoa há décadas ligada ao direito, é com mágoa que reconheço que é débil a proteção que neste campo a lei pode trazer, mas que tanto mais se agrava quando, existindo alguns mecanismos, a maioria os ignora e, portanto, não retira deles qualquer partido.

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Desde logo, quando casa, a maioria das pessoas não reflete suficientemente no regime de bens que será mais adequado e, ainda que celebrem uma convenção antenupcial estabelecendo que vigorará entre si o regime da separação de bens, poder-se-ia contar pelos dedos das mãos aqueles que lançam mão de um instrumento introduzido na lei civil em 2018 e que vem permitir a renúncia recíproca dos cônjuges à condição de herdeiro, nos casos em que o regime de bens, convencional ou imperativo, seja o da separação. A existência desta renúncia, pelo menos, afastaria a vantagem que poderá advir da morte de um dos cônjuges para o outro, uma vez que, não sendo herdeiro, não receberá qualquer vantagem patrimonial por via da sucessão. Permite-se, assim, reduzir substancialmente aqueles casos de casamento por mero interesse patrimonial, em que o secreto interesse de um dos cônjuges é a morte do outro, situação que tem sido o mote de inúmeros romances de ficção.

Certamente também desconhecido da grande parte dos cidadãos é a possibilidade de qualquer um de nós, seja com que idade for, desde que tenha capacidade de entender e querer, designar um mandatário para a gestão dos seus interesses, que poderá ser assumida no caso de, mais tarde, se vir a verificar uma situação de necessidade de acompanhamento. Nessa altura, o tribunal, no processo de acompanhamento de maior (anteriormente denominado de interdição e inabilitação), terá em conta a existência deste mandatário, ao designar o acompanhante. Ou seja, permite a lei que qualquer cidadão, numa fase da vida em que não se encontra ainda numa situação de fragilidade, reflita e decida sobre quem será a melhor pessoa para assumir o cargo de seu acompanhante, numa fase da vida em que já terá perdido grande parte ou a totalidade da sua autonomia.

Também através do testamento vital temos oportunidade de, a qualquer momento, nomear um procurador de cuidados de saúde, atribuindo-lhe poderes para decidir sobre os cuidados de saúde que deveremos, ou não, receber, quando já nos encontrarmos incapazes de expressar a vontade pessoal.

É certo que nenhum destes instrumentos, por si só, evita situações de violência em idosos sendo apenas meros paliativos, aplicáveis no caso de inexistência dos laços afetivos que criamos ao longo da nossa vida e que funcionam como o melhor garante de que, no momento da nossa maior fragilidade, seremos sempre protegidos por aqueles que nos amam verdadeiramente.