Ia esta crónica ser sobre o universalismo de dois nomes: Maria e Mohammed, os mais escolhidos em todo o mundo por pais de diferentes etnias, origens geográficas, profissões e idades. E numa Europa em clara transformação demográfica, um nome ou aquilo que leva a que esse o seja ganha também particular importância. Se cada um deles simbolizam as duas grandes religiões monoteístas, a forma como os vemos ou como assistimos à cada vez maior expressão de um em relação ao outro, motivos esses sim para refletir. E não basta defender que o fomento da natalidade se deve basear em medidas mais ou menos eficientes de apoio directo ou com impacto fiscal nas famílias quanto ao número de filhos que têm, ao mesmo tempo que levamos para o debate ideológico o contributo que o fenómeno migratório (porque nos dois sentidos) já está ter. De facto, elas, as famílias, têm primeiro que ser possíveis acontecer. Temos que ir mais longe.

Analisando o recente artigo da revista EconomistWhy there are so few babies in southern Europe“, os dados dos países do sul da Europa (com a excepção francesa, justificada também pela questão da imigração magrebina), de tradição católica, não deixam grande margem para dúvida quanto à existência de um problema até de subsistência a médio ou longo prazo enquanto Estados relativo à sua população. Espanha com 1.19 filhos por mulher, Itália 1.24, Chipre 1.35, Portugal 1.40. E filhos cada vez mais tardios: aos 30.9 em Portugal em 2021, muito perto do 31 anos das espanholas e quatro anos mais tarde que os 26.9 de há vinte anos ou os 29.2 de 2011.

Tentando perceber porquê, ou que motivos levam a que estes números sejam ainda mais preocupantes quanto à capacidade de regeneração do que no resto da Europa, cruzamo-nos inevitavelmente com outros dois pontos estruturais: o trabalho e a habitação. E é aqui que estão ou podem estar algumas das respostas que levem a inverter caminho mas que só pode ser possível se estas políticas forem trabalhadas num todo e não, como até agora, de forma isolada ou circunstancial e sem perspectiva holística e de futuro. Num país em que 65% dos jovens recebe menos de 1000 euros/mês e em que, segundo o Eurostat, 75.7% daqueles entre os 15 e os 29 anos têm contrato de trabalho não permanente involuntário, parece evidente a obrigação do Estado em garantir o acesso à habitação, pelo mercado de arrendamento, nomeadamente através de investimento público e de forma a promover o acesso a quem de outra forma não o conseguirá ter.

A promoção da natalidade passa também por aí.  E importa que essa aposta (que é de facto investimento, pois tem efeito multiplicador a vários níveis) aconteça. Não se compreende por isso que o pacote de medidas apresentado pelo governo para a Habitação não preveja nenhuma medida clara de actuação nesta área, nem que tal seja percetível, de forma estruturada, para futuro. Mais. Importa que nessa política de Habitação a acontecer se promova a vivência dos jovens em todas as zonas da cidade e não só na sua periferia. Em que as gerações se cruzem e a integração aconteça. Para crescermos como sociedade temos também que ser capazes de continuar a criar memórias e identidade num ciclo contínuo, em que cada bairro acolhe quem vem mas tem capacidade para conservar quem lhe dá alma.

E, nem de propósito, voltemos às Marias e aos Mohammeds. Aos que queremos que venham, e que precisamos que nasçam e que cresçam. Com equilíbrio, segurança e dignidade, por exemplo, nesta nossa cidade de Lisboa.

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