Desde o início da guerra de agressão na Ucrânia, a comunidade internacional já impôs milhares de sanções à Rússia e múltiplas outras à Bielorrússia. Os impactos destas sanções têm vindo a fazer-se sentir nas economias visadas, mas também tenderão a produzir graves efeitos ao longo dos estados do Cáucaso e da Ásia Central, dependentes que são da economia russa. É assim que se têm multiplicado os apelos a coesão aumentada e a articulação económica ao longo de todo este espaço, como forma de fazer frente às consequências das sanções. Lukashenko, da Bielorrússia, já veio falar em unificação de mercados, Umurzakov, do Uzbequistão, mencionou que cooperação e parceria são agora indispensáveis e, os PMs russo e bielorrusso tiveram uma conversa recente sobre expansão de cooperação entre os respetivos países e sobre ação ao longo do espaço económico regional.

Apelos de tipo similar têm sido feitos ao nível estratégico e militar. Por exemplo, quando Putin se encontrou com Pashinyan, da Arménia, a 19-20 de Abril, os dois chefes de estado terão expresso “profunda preocupação pelo agravamento da situação no campo da segurança internacional” e, terão falado da necessidade de “aumentar as capacidades da Organização do Tratado de Segurança Coletiva”, ou OTSC. A OTSC é uma aliança militar regional que, para além de Rússia e Arménia, agrega ainda Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. A criação da OTSC, em 2002, permitiu recriar, no espaço pós-soviético, uma força unificada sob controlo efetivo russo. Esta força é depois complementada pela extensa rede de cooperações militares bilaterais que Moscovo tem vindo a estabelecer com os restantes estados da região. Isto inclui a “interação aliada” assinada com o Azerbaijão apenas dois dias antes da invasão da Ucrânia, e pela qual russos e azeres se comprometem a, entre outras disposições, reforçar cooperação em produção e reparação de equipamentos.

Desde o início da guerra na Ucrânia, e embora não esteja envolvida na mesma, a OTSC tem vindo a otimizar prontidão militar em áreas como voos militares e capacidades de resposta de crise. A aliança também está a desenvolver “cooperação e integração” entre empresas das “indústrias de defesa dos estados-membro” e, em particular, a criar uma framework para o uso coletivo das capacidades de produção militar da Arménia. Isto, claro, poderá vir a ser essencial à Rússia, que precisa necessariamente de maximizar as suas capacidades de produção militar.

A 14 de Abril realizou-se a 20ª reunião do Comité Militar da OTSC. Durante esta reunião, segundo o press release da OTSC, foram trocadas “perspetivas sobre a situação militar e política nas regiões de segurança coletiva”. A este respeito, Gulevich, da Bielorrússia, falou da Europa de Leste. E, segundo a OTSC, foi acordado nada menos que “coordenar ações conjuntas para neutralizar ameaças à segurança militar”. Tais “ameaças” não são identificadas, pelo que parece ficar latente que se está a falar da NATO. Isto é tanto mais relevante quanto invulgar—a OTSC tende a evitar retórica inflamatória. De resto, Polishchuk, do MNE russo, parece ter dado continuidade lógica à declaração da OTSC quando veio dizer, uma semana depois, que Rússia e Bielorrússia responderão “ao fortalecimento militar das forças NATO nas fronteiras… da OTSC”. Meras palavras, ou a expressão de intenções concretas? Isso depende do quão irresponsável é agora Moscovo e, do quão aquiescentes os seus parceiros regionais estão disponíveis a ser.

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Porém, também se pode colocar a possibilidade de que a Rússia se esteja a preparar para mobilizar a OTSC para a guerra na Ucrânia. Os ucranianos já de há algum tempo vêm a avisar para isso mesmo. E há que recordar que, ainda antes da invasão, a própria OTSC expressou disponibilidade para manutenção de paz no Donbas, embora sob a égide da ONU. Porém, pela mesma altura, Putin terá pedido aos cazaques assistência para a invasão da Ucrânia. Os cazaques terão respondido “nyet”, mas resta saber se esta resposta subsistiria ao teste do tempo. De resto, a Rússia tem vindo a sofrer pesadas baixas na Ucrânia, pelo que tenderia a congratular assistência de combate OTSC.
A mobilização da OTSC para o combate na Ucrânia implicaria a ativação do Tratado de Segurança Coletiva (TSC, o tratado fundacional da OTSC), que legitima o uso de força militar nos casos de ameaça ou agressão a um ou mais estados-membro (Artigos 2 e 4). Dada a realidade da guerra, seria difícil ativar o TSC com base num ataque ucraniano a capacidades russas. Isso, porém, tornar-se-ia possível com um incidente envolvendo capacidades bielorrussas. Assim sendo, haverá que prestar atenção a qualquer incidente deste tipo ou, a qualquer tentativa de fabricar um tal incidente.

As dinâmicas hoje em ação têm o potencial para recriar, em pleno espaço pós-soviético, um bloco dominado por Moscovo. Os estados neste espaço tendem a ser dominados pela Rússia e, não obstante alguns estarem a demonstrar indignação q.b. para com a agressão à Ucrânia, o facto é que não deixaram de ser leais a Moscovo.

Logo após a invasão, Tokayev, do Cazaquistão, falou aos restantes líderes regionais da necessidade de lidar com os impactos económicos potenciais das tensões internacionais e, Japarov, do Quirguistão, apelou a mobilização conjunta no seio da União Económica Eurasiática, ou UEE – que foi criada pela Rússia em 2015 e, integra também Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Arménia.

Desde então, na UEE, tem vindo a falar-se da “guerra económica contra a Rússia”, a apelar a ação para superar os “desafios sem precedentes artificialmente criados por países ocidentais” e a tomar medidas de resiliência económica: com tais medidas a passarem por coisas como políticas tarifárias, cooperação industrial eurasiática e transações pelo uso de moedas nacionais, em exclusão do dólar (nisto, o SPFS russo deverá substituir-se ao SWIFT). A UEE está ainda a avançar para integração aprofundada e para um mercado comum, a trabalhar na substituição de importações sancionadas e a desenvolver projetos em áreas como transportes, aviação e concertações industriais (aqui, é de nota a recente criação de um conglomerado de produção de tratores e outras máquinas agrícolas). Parece existir ainda o propósito de estender integração económica eurasiática a todos os estados da Comunidade de Estados Independentes (CEI) que, para além dos estados UEE, abrange azeres, uzbeques, tajiques, turquemenos e (por enquanto) moldavos. Ainda recentemente, discutiu-se a conjugação de processos de integração UEE e CEI e Myasnikovich, da UEE, falou do projeto para uma rede industrial eurasiática, dizendo que “pode vir a tornar-se numa base sólida para cooperação industrial não apenas no espaço UEE, mas também na CEI”.

A UEE é ainda uma parceira essencial da iniciativa chinesa do Cinturão e Rota. E a própria China está, a par da Índia, a suster a economia russa, através de compras de energia a desconto – com o comércio Rússia-China alegadamente a crescer ~30% no 1º trimestre de 2022. China e Índia fazem parte, tal como a própria Rússia, da Organização de Cooperação de Shangai (OCS) que, a abranger mais de 3 mil milhões de pessoas, é um dos maiores espaços económicos do planeta. E foi Zhang Ming, da OCS que a 30 de Março se reuniu com a estatal russa VEB.RF para condenar “as sanções unilaterais ilegais”, falar da expeditação do “uso de moedas nacionais em comércio mútuo” e, oferecer à VEB.RF “todo o tipo de apoio” em atividade “no espaço OCS”.

As peças estão em fluxo, com o mundo a tornar-se continuamente mais imprevisível.