Por volta das 20h30 deste dia, há 43 anos atrás, despistava-se o pequeno Cessna onde seguia Francisco Sá Carneiro, então Primeiro-Ministro, e Adelino Amaro da Costa, Ministro da Defesa à época. Acidente ou atentado? Não me compete a mim avaliar.

O que é facto é que a marca que deixa em cada português, principalmente nos que viveram aquele tempo, é de um sentimento de que tudo poderia ter sido melhor. Ninguém pode saber ao certo o que teria acontecido, mas Camarate, e particularmente a figura de Sá Carneiro, geraram na direita política um mito, um sentimento de utopia perdida, tão característico do povo português.

Já o D. Sebastião mais recente ainda está entre nós, embora em perseverante silêncio. Chama-se Pedro Passos Coelho e saiu de cena em 2018. Com dimensões distintas, e separados por mais de 30 anos democráticos, criou-se também à volta de Passos Coelho um mito. O seu regresso aos palcos políticos é ansiosamente aguardado por muitos. Porquê? Porque tal como Sá Carneiro, a obra ficou por acabar. Sá Carneiro castigado por Camarate e Passos pelo eleitorado.

Do centro à direita radical todos se sentem herdeiros de Sá Carneiro, uns com mais legitimidade e outros com menos. É importante relembrar as palavras de André Ventura em 2020 quando afirmou ser “o principal continuador” de Sá Carneiro. E ainda que “se Sá Carneiro estivesse vivo” acreditaria no projeto político do Chega. Declarações que são refutadas pela presidente do Instituto Francisco Sá Carneiro, Maria da Graça Carvalho: “O Chega não comunga connosco estes princípios de Sá Carneiro”. Acrescentando que as ideias do primeiro e único líder do Chega “são bastante contrárias ao pensamento de Sá Carneiro, que era uma pessoa cosmopolita e inclusiva”.

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Com Passos Coelho, a história repete-se. O antigo Primeiro-Ministro referiu há poucas semanas que o Chega é um partido legal, tal como os outros. Rapidamente a máquina deste partido começou a funcionar, pegou nestas declarações e distorceu-as, apelando assim ao voto dos fiéis passistas.

Ora, os legítimos herdeiros do mito da direita portuguesa devem fazer-se dignos de tal e conquistar e convencer estes portugueses de que a alternativa que sentem que morreu em 1980 e ressuscitou em 2011, voltando a perecer em 2015 (mesmo sendo muito diferentes) está hoje bem viva e reside no centro-direita, com fronteiras bem delineadas.

Hoje, os portugueses sentem que sempre que o centro-direita deu a mão, as circunstâncias o traíram. Com Sá Carneiro, uma tragédia, e com Passos, a troika. Os líderes desta ala devem, por isso, fazer uso deste traço sebastianista dos portugueses e utilizar esta ferramenta. Acredito, na minha perspetiva não dogmática, que o PSD e o CDS-PP (e eventualmente o PPM e o MPT) devem ir juntos a eleições e investir nesta narrativa. Para além de que a inclusão do CDS permitirá dar confiança aos eleitores mais à direita, que se iludiram com o Chega, de que a alternativa moderada existe e está pronta. A boa notícia é que se não conseguirem a maioria sozinhos, podem ainda recorrer à Iniciativa Liberal, o que permitirá não morrer na praia, como em 2015.

Os protagonistas são outros, as circunstâncias também. Mas acredito que o espírito e a missão mantêm a mesma essência.

Que à terceira seja de vez.