A globalização trouxe à superficie uma série de questões éticas e económicas relacionadas com o movimento de mão-de-obra especializada. Os países avançados procuram atrair especialistas de qualquer lugar para atender às suas necessidades. Como veremos adiante, a fonte desses especialistas são principalmente os países em desenvolvimento: o sonho de um estilo de vida melhor, boas instalações residenciais e de trabalho, transportes urbanos e excelentes serviços de apoio,  receitas em moeda forte fazem a transição muito atrativa.

Esse “atrair” é visto como uma forma de complementar os recursos do país rico para fazer prosperar a sua economia. Não há, pois, necessidade de ele planear, investir e treinar a força de trabalho especializada necessária, pois ela está disponível nos países pobres e, por vezes, ansiosa de sair em busca de uma vida melhor.

Concordemos que é uma relação simbiótica, que dá ao especialista a oportunidade de realizar o seu sonho e ao país recetor um recurso pronto para entrar em ação. Note-se, contudo, que a formação e treino de especialistas locais exigiria muitos anos de educação e custos inerentes, em nítido contraste com os imigrantes, que estão imediatamente disponíveis para contribuir para os resultados económicos dos países ricos, sem mais custos para os países recetores.

Muitos dos imigrantes são pessoas de iniciativa e bons empresários. Em Silicon Valley, Vivek Wadwa conduziu um estudo que mostra que “24,3% das startups de engenharia e tecnologia têm pelo menos um fundador imigrante trabalhando numa função-chave. Empreendedores de origem indiana representavam 33% dessas empresas, dominando o grupo”.

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Se ao país recetor chegam pessoas inovadoras, preparadas e prontas para a ação, pelo contrário, o país emissor fica com o ónus dos encargos da educação e treino, dos quais não verá retorno direto.

Países como os EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá, entre outros, são os maiores beneficiários do fluxo de especialistas originários da Índia, talvez por causa do idioma inglês. As profissões mais representadas incluem médicos, enfermeiros, engenheiros de TI, economistas, analistas financeiros e uma variedade de outras especialidades. Só para dar uma ideia, há atualmente 220 mil médicos de origem indiana nos EUA, representando 20% de todos os médicos desse país (ET, 21 de outubro de 2020); todos eles graduados nas boas faculdades de Medicina indianas.

Frequentemente, os especialistas não têm condições de ter sucesso nos seus países de origem como acontece no país de destino – que é bem organizado, bem administrado e tem todas as condições para que o profissional tenha um desempenho muito bom. Na sua terra natal ele não tem desafios, geralmente tem chefias incompetentes e uma estrutura de apoio inexistente. Os mais competentes, portanto, ao sair, deixam o seu lugar livre para outra pessoa preparada.

Os países de destino – já ricos – deveriam ter um sentido mais apurado de justiça. Ao avaliar o calibre da experiência que recebem, deveriam, no mínimo, tentar “devolver os custos” incorridos pelo país de origem para a sua formação. Eles poderiam destinar verbas proporcionais ao número de especialistas recebidos e o custo em que o país recetor incorriria para apoiar o país de origem no reforço do sistema educativo.

O dinheiro pode ser usado para a criação de novas universidades e/ou faculdades ou na concessão de bolsas de estudo. Ele poderia ser alocado, em estreita colaboração com as autoridades que tutelam a Educação no país, às fundações e ONG aprovadas e com pendor educativo.

Na Índia, apesar dos seus 42 mil colleges e 1043 universidades (cfr. IANS, 30 de março de 2021), há grande necessidade de expansão das capacidades educativas para corresponder aos interesses dos jovens locais nas áreas do seu interesse.

As nações pobres teriam, então, mais capacidade para treinar e apoiar “o mundo inteiro” no seu desenvolvimento. Pensando na Índia, dada a boa adaptabilidade e a provada boa integração dos indianos nas sociedades de background cultural muito variado, eles poderiam optar por ir para onde as condições oferecidas fossem mais compensadoras. Não é impensável que a África e a América Latina possam ser os próximos continentes a precisar de bons médicos, enfermeiros, engenheiros de TI, agrónomos, economistas, etc., formados na Índia.

Há um preconceito de que os países em desenvolvimento não têm capacidade para se governar com eficiência. A colonização deixou marcas profundas, prejudicando e levando ao empobrecimento os países colonizados, que nalguns casos não podem ser ultrapassadas em pouco tempo. Existem, no entanto, como mencionado antes, outros caminhos que poderiam ser reforçados (fundações e ONG) nesses países em desenvolvimento para direcionar e canalizar esses recursos com vista à expansão educativa de alta qualidade.

Digno de grande louvor e verdadeiro herói será o chefe de Estado que tome a iniciativa de atuar nesta empreitada de justiça. Embora ela não chegue ao nível das injustiças históricas ocorridas na era colonial, o primeiro chefe de Estado a fazer um tipo de compensação como sugerimos, será, de facto, saudado como alguém com grandeza, que saiu da sua mediocridade para lutar pela justiça num plano internacional.

Uma sociedade global justa é o melhor alicerce de uma paz duradoura e para uma colaboração leal e entusiástica de todos os países, em benefício de todos eles, também dos mais ricos.