O Direito Internacional planeava arrancar o Século XXI com os Objetivos do Milénio, hoje Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, na tentativa de transformar o mundo com justiça e paz, depois do conturbado Século XX. Contudo, logo no seu início, em 2001, contraiu um vírus moral, com variantes cada vez mais contagiosas, que tem dado cabo da sua saúde, sobretudo nos últimos tempos.

Muito debilitado e em repouso, na ânsia de recuperar as suas forças, o Direito Internacional avistou no beiral da sua janela uma pomba branca a contemplá-lo. Parecia que queria agradecer-lhe por tudo o que fizera quando gozava de boa saúde. E, neste instante, a sua vida passou em flash, a recordar sobretudo suas conquistas, o que lhe trouxe alguma paz.

Paz, palavra que lhe diz tanto respeito, e foi justamente a falta dela que agravou o seu estado de saúde!

Lembrou, com certo orgulho, o testamento que deixaria aos seus herdeiros, desde o Tratado de Vestefália, que completou, em 24 de outubro passado, 375 anos desde a sua assinatura, até a Carta das Nações Unidas que, na mesma data, completou 78 anos da sua entrada em vigor. Também comemorou os entendimentos conseguidos ainda na primeira metade do século passado, para a proteção do Direito Humanitário e para regular o Direito à Guerra, vertidos nas Convenções de Genebra e da Haia, para além dos festejados Tratados de Não Proliferação de Armas Nucleares, de 1968, e de Proibição Total de Testes Nucleares, de 1996, acervo que trouxe alguma calmaria à ameaça de uma guerra nuclear, embora este último Tratado tenha sido recentemente denunciado por um subscritor de peso.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A decantada Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, e as normas de ius cogens, linha vermelha que os Estados se comprometem a não ultrapassar, por força do art.º. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, foram conquistas que pareciam já estar consagradas por todos os signatários em pleno Século XXI. Então, desfiou, em segundos, o rosário de algumas destas normas ditas imperativas: o dever de não-agressão; o respeito pela soberania e integridade territorial dos Estados; a proibição do genocídio, dos crimes de guerra; dos crimes contra a humanidade; e, sobretudo, o direito à vida, que está no topo da lista.

Veio-lhe à mente a imagem do Palácio da Paz, sede do Tribunal Internacional de Justiça, e, num laivo de esperança, cogitou que na Haia, cidade que também abriga o Tribunal Penal Internacional, teria direito às últimas homenagens, caso o prognóstico menos favorável viesse a ser confirmado, o que o Direito Internacional não almejava, de todo. Mas, a prever a pior hipótese, subitamente uma aflição tomou conta dos seus pensamentos: como seria distribuído o seu espólio? Quem seria o garante dele?  Desejou do fundo do coração que a partilha corresse sem incidentes, mas no íntimo tinha receio de uma possível renúncia à herança por parte de alguns membros da família, diante da conjuntura atual. E, com uma lágrima no canto do olho, imaginou que parte do seu legado o poderia também acompanhar no seu jazigo.

E quando acabaram os seus devaneios, vislumbrou a possibilidade da descoberta, em tempo recorde, de uma vacina contra o vírus moral, que finalmente salvaria a sua vida e, por consequência, de toda a humanidade. Mas, nesse instante, já não viu a pomba da paz que, entretanto, alçara voo, deixando ali o ramo de oliveira, que carregara durante 78 anos. E num maremagnum entre a descrença e a fé, mergulhou num sono profundo, augurando que, quando despertasse, a Paloma de Picasso, com toda a simbologia que encerra, já tivesse resgatado o ramo de oliveira que ficou esquecido no beiral da sua janela. Afinal, dum vita est, spes est!