Como se não bastasse que todas as conversas sobre educação fossem sobre professores, muitas conversas entre professores consistem em queixar-se dos alunos. Espanta que haja tantos tratadores que não gostem de tigres. As excepções maravilhosas, muito poucos casos por bilião, estão escondidas em diários de aulas, gavetas nebulosas, e memórias restritas de ocorrências: ninguém fala delas e quase ninguém as admite. A esmagadora maioria tende a ver com apreensão quem lhes coube em sorte, e a experimentar fastio pelos pequenos animais que exigem ser constantemente ordenhados, escovados e acariciados; e nalguns casos que se conheça o rebanho e se tenha comércio com os seus antepassados.

Costuma ser um motivo frequente de queixa os alunos virem, como se diz na expressão pitoresca, “mal preparados.” É um facto bem-estabelecido que a sua vida anterior consistiu principalmente na falta de preparação para caberem em sorte aos seus actuais professores. A vida real só começa quando entram pela primeira vez na sala de aula de quem lamenta capazmente a sua falta de preparação. É aí que todos os anos os professores propõem a multidões de animais exaustos tomar sobre si o seu jugo e receber a sua doutrina.

Infelizmente as coisas nem sempre acontecem à vontade dos anfitriões. As criaturas revelam-se remissas e lambonas; e além disso não se mostram interessadas em receber doutrina. Os professores tentam tudo: a violência, os objectivos, e, se por acaso estudaram mais o assunto, a manha, os alarmes e a sedução. Nenhum destes processos dá resultado, e pelo menos uma parte deles é ilegal. Por essa razão, sempre que dois professores se encontram, depois de se cheirarem e se assegurarem de que alguém está à escuta, dá-se início a uma litania a duas vozes. O exercício da queixa exige um mínimo polifónico: só compreende as queixas quem já passou pelo mesmo, e em princípio é capaz de se queixar. Queixar-se dos alunos é uma actividade coral.

É possível que esta situação seja o último vestígio de um sistema de castas muito arcaico. Os costumes quase não registam conúbios entre castas durante a vigência do ano escolar. De qualquer modo aos membros das várias castas praticamente não ocorre essa possibilidade; ocupam-nos de preferência as tarefas imaginativas. Pedira-se aos professores que se exercitassem previamente nos mistérios da educação: mas esse apuro serviu só para transferir para a sua profissão todo o medo que tinham tido enquanto alunos, como quando ao retirar o veneno de uma mordedura de vespa por inadvertência o engolimos. Não é difícil prever que serão trucidados; e nessa vida monótona e regrada encontram a matéria para ensaiar com os seus coros. Quanto aos pequenos tigres, ei-los constantemente atarefados a estudar cada tratador que lhes coube; não perderão por nada deste mundo a possibilidade de poder dar um dia a terceiros aulas iguais às que receberam.

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