Em dia de votação final de Orçamento do Estado não estava mais atenta que a maioria, confesso. E então comecei a ouvir zunzuns de um comportamento inesperado de Rui Rio – numa meia conjugação de surpresa com irresponsabilidade, na correria dos que se apressam a dizer mal porque é o PSD; dos que têm de mostrar serviço porque o PS está de irritação; dos que atacam porque foi Rui Rio que fez – ou qualquer outra razão, maioritariamente daquelas que só os altos graus de intelectualidade conseguem entender.

Há aqueles momentos em que, com humildade, admitimos a nossa confusão: o que é que me estaria a escapar? Teria sido eu a estar desatenta, ou Rui Rio fez aquilo que sempre disse que faria?

Rio não deu a entender. Não deixou no ar. Não disse entredentes. Não comentou em espaços reservados.

Rui Rio afirmou, bem mais que uma vez, que não devia ser pago rigorosamente mais nada ao Novo Banco sem ter a certeza da justeza do que tinha sido pago até à data. Pediu contas. Exigiu e exigiu a auditoria. Em conferências de imprensa, em entrevistas, em plenário da Assembleia da República. E, em dia de votação final de Orçamento do Estado, repetiu o que sempre tinha dito.

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Em dia de votar aquilo que sempre defendeu, foi coerente.

E então o Primeiro-Ministro ficou irado (não é exatamente algo novo…) e lançou ameaças. O PS ficou atrapalhado e empenhou-se no “namoro” a Joacine e Ventura (quanto a este último, são imagens que vale a pena rever – com pipocas – à luz da recente “Indignação Açores”). O Ministro das Finanças, o mesmo que cambalhotou na “gralha” da verba de milhões que era-para- o-Novo-Banco-mas-afinal-era-para-a-CP, veio falar de cambalhotas. E – enfim! – a acusação: “o PSD não é confiável!”, diz o PS.

Nisto, respiro fundo. Em parte, para afastar a memória não tão longínqua de um tempo em que, sem corar ou gaguejar de embaraço, ouvi o partido socialista falar da “sua” bancarrota como sendo culpa daqueles que tiveram de a resolver; em parte para tentar perceber este novo léxico: não é confiável alguém que cumpre rigorosamente, fazendo aquilo que sempre disse que faria?

É então esta a nova narrativa? O confiável é um Primeiro- Ministro que diz, do alto da sua soberba desrespeitosa, que no dia em que precisar do PSD, se demite – e que quando precisa fica de “birra”?

O confiável é um Primeiro-Ministro que vem dizer, em prestação de contas de debate quinzenal, que não tinha havido transferências de verbas para o Novo Banco – mas afinal tinha, a comunicação com o Ministro é que tinha falhado – ups!?

O confiável é um Primeiro-Ministro que garante que não pagaria até haver uma auditoria – só que afinal não – e destrata e manda destratar aquele que tem coragem para honrar compromissos que ele não é capaz de honrar? Ao invés de se empenhar em prestar as contas que são a sua obrigação?

Ouvi Rui Rio garantir a transparência: «se não quiseram prestar contas antes, agora serão obrigados.» Ouvi-o dizer que, com ele, o Estado cumpre – desde que a outra parte cumpra também. Que, pelos portugueses, não se transferem verbas ao desbarato ou por capricho: exigem-se respostas e justificações.

E eu lembro-me bem das consequências desta ideia de que o Estado tem os bolsos largos sem necessidade de rigor na contrapartida. Que português não se lembra?

Estranho mundo este em que a surpresa é o cumprimento de uma coerência.

Ouvi tudo com atenção, afinal. E António Costa estava vermelho de raiva – quando devia estar corado de vergonha.

Depois deste dia, há um ensinamento que me parece claro: António Costa deixou a sua marca. Palavra dada? Já ninguém acredita que seja honrada.

Post Scriptum – Costa, (em mais um) momento “à la Trump”, apressou-se a assegurar-nos que garantiu ao BCE que tudo estava assegurado quanto ao Novo Banco. Tivesse sido tão eficaz a assegurar a prestação de contas a que está obrigado e o dia de hoje não teria acontecido. Mas convenhamos: prestar contas aos portugueses? Pior: aos partidos da oposição? Que tweet tão sem graça.