Depois foi-me dirigida a palavra do Senhor nestes termos: «Que vês, Jeremias?» E eu respondi: «Vejo um ramo de amendoeira.» «Viste bem – disse-me o Senhor – porque Eu vigiarei sobre a minha palavra para a fazer cumprir.»” (Jr 1, 11-12)

Jeremias é chamado pelo Senhor. O cenário é aterrador para o profeta: o Todo-Poderoso pede-lhe que advirta os seus conterrâneos da sua infidelidade, que apele à conversão e, ultimamente, que anuncie o fim do reino de Judá e a destruição de Jerusalém.

A situação em que Jeremias se vê envolvido é dura; mas, no meio do medo, Deus faz-lhe ver um ramo de amendoeira. E, então, o recém-instituído profeta parte, certo de que o Senhor já o conhecia e protegia desde o ventre materno.

Os israelitas sabiam muito bem os seus símbolos e respectivos significados. A amendoeira é a árvore que resiste a todas as estações em Israel, é aquela que sempre vigia e cujos ramos anunciam a Primavera, ainda antes da estação começar. Onde nasce uma amendoeira cumpre-se a vida à sua volta. Assim são as promessas do Senhor, que não deixa de olhar por nós.

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Nestas últimas duas semanas, atribuladas com o desvendar do relatório relativo ao abuso sexual de menores no seio da Igreja Católica em Portugal, tenho-me recordado do exemplo de Jeremias.

Aquela conferência de imprensa, aquele relatório da nossa infâmia, veio como uma seta apontada ao coração. Tenho tido muito pouco a dizer nestes dias, pois, no meio das lágrimas, faltam-me as palavras.

Doem-me os meus irmãos, violentados numa dor que não posso começar a imaginar, defraudados na Fé, na Esperança e na Caridade. Doem-me os abusadores, necessitados de conversão. Dói-me a Igreja, a Mãe em quem sempre confiei e que agora ultrajou e foi ultrajada. Dói-me uma sociedade que, nas últimas décadas, regrediu de tal forma que ajudou a que casos destes aparecessem como cogumelos (um dia será tempo de destapar essa manta).

Dói-me esta dor que não é minha, mas julgo ser nossa – e, especialmente, de todos os católicos. Dói-me uma dor que, por muito barulho que pessoas de todos os quadrantes deste país possam fazer, só pode ser curada pelo próprio Deus.

E doem-me ainda mais coisas, e são tantas.

Dói-me o mal que fiz e o pouco que rezei, porque tanto o mal que faço como o bem que ignoro flagelaram Cristo há 2000 anos e flagelaram, também, os meus irmãos e a Igreja. Doem-me os católicos que, numa tentativa de sinalização de virtude, preferem abandonar a Igreja a agarrar-se a Ela, amá-La, sofrer por e com Ela (e quantas vezes não sou eu este católico?). Doem-me também aqueles que dedicaram os últimos dias a caluniar padres e leigos com uma visão diferente da sua.

Doem-me, na mesma medida, os bispos, sacerdotes e leigos que, inflamados de ignorância ou soberba, aproveitaram a onda destes dias para falar de tudo, menos de Cristo. Em entrevistas a jornais, a televisões, a sites ou a revistas, através de comentários ou de posts nas redes sociais, vi muitas vezes indivíduos a tentar avançar as suas agendas pessoais em vez de apregoarem, com Caridade, a Verdade. Isto daria tema para toda uma outra crónica. Para já, a esses, enquanto jovem católico magoado, eu digo: a Igreja já cá está há 2000 anos e há de continuar a gritar a Verdade e a Beleza apesar da vossa soberba, da vossa vanglória e das vossas ideologias.

É muita a dor que trago comigo; que trazemos, se me permitem a generalização.

Mas, perante tanta dor, o Senhor também nos mostra um ramo de amendoeira. Na Quarta-Feira de Cinzas começou a Quaresma. No meio da sensação de impotência que tem dominado estes dias, tenho olhado para este tempo de conversão e penitência como sinal da Primavera.

É-nos oferecida uma oportunidade de lembrar que o mesmo Deus que ressuscitou teve primeiro que ser humilhado, sofrer e morrer. Ouviremos frequentemente a história do povo de Israel e recordaremos que aqueles mesmo que alcançaram a Terra Prometida vaguearam quarenta anos pelo deserto.

Quiçá tenhamos ainda oportunidade de trazer à memória que as forças do Inferno não prevalecerão e que esta Igreja já resistiu a tudo: a um Deus morto, à traição de dois apóstolos e, depois disso, a tantos roubos, homicídios, pedofilias, mentiras, jogos de poder e vergonhas de todo o género. Sempre brilhou Cristo, sempre tivemos Santos, sempre regressou o ramo da amendoeira.

O Senhor é, pois, justo e fiel eternamente. De modos que não vemos ou conhecemos, Ele cumprirá as Suas promessas e levará a Sua Misericórdia às vítimas, aos criminosos e à Igreja.

Neste tempo da Quaresma vejo, assim, dois caminhos.

Quero lamentar-me de como é péssima a nossa Igreja? Ou ofereço os jejuns, sacrifícios e esmolas pela Sua conversão e em reparação dos pecados cometidos?

Passo o tempo a pedir desculpas vazias de sentido? Ou coloco a minha confiança na justiça de Deus para que Ele, tarde ou cedo, faça chegar a Justiça?

Queixo-me insistentemente da falta de santos? Ou dedico o tempo necessário à oração e aos sacramentos para, ao menos, almejar a sê-lo?

Afasto-me do meu Bispo e do Papa? Ou rezo ainda mais por eles, para que sejam santos como Jesus e a Sua Igreja são santos?

Alimento guerras entre “conservadores” e progressistas”? Ou opto por ser promotor da união? Prefiro continuar a maldizer todos os sacerdotes? Ou, ao invés, peço ao Senhor muitas e santas vocações, aproveitando para clamar, para um ou outro que conheça, o dom da santidade?

Passo quarenta dias e quarenta noites a tentar limpar a imagem da Igreja, como se tal estivesse ao meu alcance? Ou apregoo o Evangelho com a minha vida?

Faço deste tempo ocasião de mostrar como sou moderno – ou, em verdade um soberbo que se considera acima do Pai? Ou aproveito para me livrar da vaidade e, apesar das incompreensões, amar a Igreja e os meus irmãos?

Ponho a minha fé nos homens? Ou em Cristo?

Este é o tempo da dor, mas é também o tempo propício à expiação e à conversão. Nesta Quaresma, por entre a vergonha, a escuridão e a injustiça, eu escolho abrigar-me debaixo dos ramos da amendoeira.

Ali, apesar do deserto, as águas são refrescantes

Ali, apesar daqueles que tentam instalar a confusão, há palavras de vida eterna.

Ali, apesar da desonra e do luto, o Senhor terá compaixão de mim e apagará o meu pecado.

Ali, apesar da confusão e do medo, o Cristo acalma a tempestade e diz-me: “Sou Eu! Não temais!”.

E eu não temerei.