Podemos gostar muito de Paris, mas não é certo que Paris venha alguma vez a gostar de nós. Esta dificuldade torna suspeita a ideia de descrever como afeição a relação não-recíproca entre duas pessoas, ou entre uma pessoa e uma coisa. Por maioria de razões torna problemático o conceito de uma “política dos afectos,” e a própria ideia de política como relação recíproca. A ideia de afeição e a ideia de reciprocidade podem ser aplicadas a muitas coisas: mas não à política, à astronomia, à economia, ou à química.

Há quem no entanto argumente que existe uma diferença entre política e economia, por um lado; e astronomia e química, por outro. As segundas não têm nada a ver com pessoas. As primeiras, pelo contrário, envolvem necessariamente pessoas: não lhes são por isso desconhecidas emoções como o afecto. As relações políticas ou comerciais seriam então versões de relações de afectos recíprocos, ou seja, de relações sentimentais.

O teste a esta concepção não é imaginar se podemos gostar de pessoas ou coisas abstractas ou em abstracto; parece assente que podemos. Muitas pessoas gostam sinceramente de Paris. Pelo contrário, Pelo contrário, o teste é imaginar se cada pessoa ou coisa de que gostamos em abstracto pode gostar de nós. No caso de Paris a ideia dá vontade de rir porque as cidades, como muitas outras coisas, parecem incapazes de reciprocação. Outros casos são mais difíceis de decidir: podem, por exemplo, os portugueses, gostar de quem gosta tanto deles?

A história política e a história económica sugerem que afeições que parecem recíprocas coincidem com ciclos eleitorais ou ventos económicos. A noção de amor eterno em matérias políticas e comerciais é um erro categorial; os seus efeitos são sempre lojas vazias e tiranias sentimentais. A ideia de um casamento eterno, ou a ideia de famílias unidas parece razoável a quem o casamento corre bem ou a quem se dá bem com a sua família; mas não é um princípio encorajador para uma teoria política.

Há no entanto quem entenda a actividade política como a expressão dos seus sentimentos: de amor, de indignação, e mesmo de imparcialidade. Se for um profissional sério só pode medir o seu êxito pelo modo como os outros aceitaram a expressão do que lhe vai na alma: o seu modelo filosófico será sempre o pedido de namoro. Os outros não podem porém reagir ao que vai na alma de quem os solicita porque, naturalmente, não conseguem ver bem o que lá se passa: reagem assim às suas palavras. É natural: quando falamos de afectos o que fazemos é falar; e porque o assunto é os nossos afectos, falamos sobretudo de nós. A ideia de uma filosofia política baseada na expressão do nosso afecto pelos outros é tão insubstancial como uma concepção do amor pelos outros baseada no modo como nos referimos a nós próprios.

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