A recente celeuma referente a um beijo não consentido, ocorrido na esfera do futebol feminino, no país vizinho, levantou um pouco o véu daquilo a que as mulheres, principalmente as que se movem em meios maioritariamente dominados pelo sexo oposto, ainda se encontram expostas, sem que nada tenham feito para tal, a não ser terem nascido mulheres.

O poder patriarcal encontra-se, nos dias de hoje, ainda fortemente arreigado na sociedade em que vivemos, pelo que é usual e corriqueiro estarem as mulheres, não raras vezes, sujeitas a situações desconfortáveis, que tantas e tantas vezes são compelidas a calar e fingir ignorar para assegurarem o seu sustento ou para se manterem na perseguição ininterrupta das suas ambições.

O machismo estrutural que nos envolve como uma névoa, que recorrentemente querem que pareça inofensiva, cria desequilíbrios perigosos em vários domínios da sociedade onde nos inserimos.

O machismo estrutural existente cria discrepâncias ao nível salarial, diminuindo as mulheres no contexto laboral, submetendo-as a uma exposição a ambientes nefastos de constante assédio no trabalho onde, amiúde, uma mulher aguerrida e forte é sempre diabolizada, enquanto um homem com características similares é, ao invés, venerado.

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O machismo estrutural tende a ditar, determinantemente, a percepção pública do que somos e a forma como o nosso comportamento é interpretado e, para isso, infelizmente, contribuem muitas mulheres, também elas toldadas e imersas num modo de pensar o mundo profundamente patriarcal e lesivo, até mesmo para as próprias.

O machismo estrutural mata inúmeras mulheres no seio conjugal, ao mesmo tempo que desmembra a saúde mental das crianças que têm o infortúnio de nascer nesses contextos de profusa toxicidade.

O beijo do senhor Rubiales aconteceu em público.

O beijo do senhor Rubiales foi inadequado.

Mas quantos comportamentos análogos, também eles considerados inadequados, poderão ter acontecido em privado?

Quantos senhores Rubiales assombram mulheres, em muitos outros quadrantes profissionais e em muitas outras latitudes, das mais diversas formas?

A dinâmica patriarcal existente é uma ameaça inequívoca à democracia e pode realmente constituir-se como um móbil de relevo para o, tão preocupante e acelerado, declínio dos regimes democráticos. Para que tal seja evitado o sistema de crenças e valores que nos circunda e rege não pode continuar a normalizar este tipo de situações e comportamentos. As mulheres, muitas delas mães, deveriam ser sustentáculos de mudança no que se refere ao profuso machismo que ainda subsiste e os homens que aplaudem o senhor Rubiales deveriam ter a capacidade para compreender que esse aplauso conivente não lhes incrementa a pretensa masculinidade que tanto perseguem.