A recente legislação que institui o mercado voluntário de carbono (MVC) em Portugal é uma medida inovadora que visa promover a sustentabilidade ambiental e combater as mudanças climáticas. A lei surge com diversos objetivos específicos, entre os quais, se salientam: a remoção de gases de efeito estufa (GEE) e a proteção das florestas, incluindo ações de combate aos incêndios florestais.

No entanto, um aspeto preocupante desta legislação é a possibilidade de que possa, inadvertidamente, incentivar comportamentos perniciosos e até criminosos, como a provocação intencional, através de ações diretas ou indiretas, no aumento da atividade de incêndios florestais, para benefício dos incentivos financeiros que esta permite enquanto atividade de restauração florestal.

“alínea n.º3 do Art.7 – Podem ainda ser consideradas áreas prioritárias as áreas florestais ardidas ou outras áreas que, em razão da sua natureza, careçam de intervenção, identificadas pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P. (ICNF, I. P.), ou pela APA, I. P.”

Embora inegável a seriedade e serviço público do ICNF e da APA, é certo que este é um novo mundo para todos em Portugal, e tendo em conta as competências necessárias para enfrentar novos desafios como os que aqui são abertos, não é evidente que quem até hoje “geriu” o património florestal seja capaz de avaliar, vigiar e eliminar os riscos que tal “caixa de pandora” abre. Certo é que vejo, com preocupação, demasiado interesse por parte de fundos que se têm constituído e movimentado em torno da prontidão necessária para responder a este novo mercado. Refiro-me, não só, mas essencialmente, ao mercado do restauro de áreas ardidas.

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Ao analisar o Artigo 7, n.º3 da Lei, a inclusão de áreas ardidas como prioritárias para projetos de sequestro de carbono, embora bem-intencionada, abre um potencial perigo. Esta disposição pode ser vista como uma oportunidade atraente para investimentos lucrativos, incentivando, assim, práticas ilícitas como a provocação de incêndios para criar áreas para restauração. Este “ciclo fechado” de destruição e reconstrução não apenas contraria o espírito da lei, mas também ameaça a integridade ecológica e social das regiões afetadas.

Os incêndios florestais trazem devastação imensa, resultando na perda de biodiversidade, erosão do solo e impactos negativos na vida das pessoas das comunidades locais. Ao potencialmente incentivar incêndios, a lei pode estar inadvertidamente a promover uma forma de gestão florestal que privilegia o lucro ilegal, em detrimento da sustentabilidade e da ética.

A legislação em causa, carece de mecanismos robustos que controlem e monitorizem, as origens e gestão dos incêndios, deixando aberturas, à mesma, para oportunidades que podem ser exploradas por interesses mal-intencionados. Neste aspeto, a lei necessita de revisão urgente para fechar portas a abusos que possam comprometer o seu propósito fundamental.

Soluções e ações são urgentes:

Será necessária e obrigatória, a inclusão de instrumentos regulatórios complementares, e/ou a revisão da legislação, para incluir sistemas adequados de monitorização das causas dos incêndios que não os habituais, uma vez que este tipo de novo desafio, enfrenta novos modus-operandi, muito mais “finos e sofisticados”. Além dos critérios mais estritos para a seleção de projetos de sequestro de carbono em áreas ardidas, é essencial que qualquer incentivo financeiro, para esta tipologia de restauro, esteja condicionado a investigações; adequadas, transparentes e independentes.

Simultaneamente, serão fundamentais acrescentar instrumentos dirigidos para esta necessidade especifica, no âmbito da investigação e suas penalizações. O governo deve definir e aplicar a fiscalização, assim como novos mecanismos ágeis para que as investigações sobre as causas dos incêndios, resultem de forma eficaz, pois esta nova realidade, abre uma nova janela para crimes e seus modus-operandi, estabelecendo penalidades severas para aqueles que deliberadamente provocam incêndios para beneficiar dos programas de restauração.

O mercado voluntário de carbono, é um importante instrumento, sendo que Portugal pode beneficiar dele, na luta contra as mudanças climáticas, por tal, é imperativo que estejamos vigilantes contra abusos que possam minar os seus objetivos e efeitos positivos. Acima de tudo, precisamos estar conscientes da tipologia de crimes que podem ser originados a partir desta oportunidade.

Fica aqui o desafio aos legisladores, autoridades ambientais e criminais a colaborarem para fortalecer a lei e garantir que ela cumpra o seu propósito nobre, sem abrir espaço para explorações ilegais e perniciosas. A lei deve ser aperfeiçoada, dentro da mesma, ou através de instrumentos regulamentares adicionais, para garantir que as iniciativas de proteção florestal e sequestro de carbono sejam implementadas de maneira ética e sustentável.