Desde o princípio do mês que está reunida, em Roma, a 16ª Assembleia Geral do Sínodo da Igreja Católica, “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Este encontro foi antecedido por uma longa preparação nas paróquias e dioceses, que fizeram chegar à organização do Sínodo as suas conclusões. Não obstante esta extensa e intensa preparação, o Papa Francisco quis prolongar por mais um ano este processo, que deverá culminar, em Outubro de 2024, com uma segunda Assembleia Geral, a que se supõe que seguirá, como é da praxe, uma exortação apostólica pós-sinodal.

Não obstante a aparência plebiscitária desta assembleia, o Papa Francisco, na sua abertura, fez questão de afirmar que o objectivo do Sínodo não é ouvir a população mundial, nem fazer um referendo eclesial, mas auscultar o Espírito Santo, porque é à sua voz que a Igreja deve obediência: “Não estamos aqui para realizar uma reunião parlamentar, nem um plano de reformas. O protagonista é o Espírito Santo. Estamos aqui para caminharmos juntos com o olhar de Jesus.

É muito significativo que, na única passagem evangélica em que Jesus Cristo se refere, nominalmente, à Igreja, faça questão em dizer que se trata da “minha Igreja” (Mt 16, 18), não nossa, como porventura entendem aqueles que julgam que, como em qualquer associação, a vontade expressa dos seus membros, ou da maioria, é suficiente para alterar a sua natureza, doutrina e praxe.

Citando o seu antecessor, o Papa Francisco esclareceu: “Como disse o Papa Bento XVI, a questão para nós é a seguinte: ‘Deus falou-nos, quebrou o grande silêncio, mostrou-se, mas como é que podemos trazer esta realidade para as pessoas de hoje, para que se torne salvação?’.” E, depois, acrescentou: “Esta é a questão fundamental, a tarefa fundamental do sínodo: recentrar o nosso olhar em Deus, ser uma Igreja que olha com misericórdia para a Humanidade, uma Igreja que é unida e fraternal, que escuta e dialoga, que abençoa e encoraja, que ajuda aqueles que procuram o Senhor, que excita benevolamente os indiferentes, que abre caminhos para iniciar as pessoas na beleza da fé. Uma Igreja que tem Deus no centro e, por isso, não é dividida internamente, e nunca é dura exteriormente”.

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O governo da Igreja universal corresponde ao Bispo de Roma, em comunhão com o colégio episcopal que, com Pedro e sob Pedro, partilha a suprema responsabilidade do Vigário de Cristo na terra. Não é por acaso que, precisamente na única ocasião em que Jesus Cristo menciona a sua Igreja, também se refere a Pedro, como sua cabeça visível e sinal da unidade (Mt 16, 18-19). Mas, ao contrário do que alguns pretendem, Pedro não é dono, nem proprietário, da Igreja, apenas seu fiel depositário: compete-lhe defender a fé na sua divina integridade, difundi-la em todo o mundo e transmiti-la, intacta, às gerações vindouras.

O exercício da colegialidade episcopal tem, no concílio ecuménico, a sua expressão mais solene; e, nos sínodos, uma versão mais breve e reduzida. Enquanto no concílio ecuménico todos os bispos católicos têm assento e direito de voto, nos sínodos as conferências episcopais fazem-se representar por um ou mais bispos. Neste caso, a representação do episcopado lusitano corre a cargo do Presidente e do Vice-Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas Carvalho, Bispo de Leiria-Fátima, e D. Virgílio Antunes, Bispo de Coimbra, respectivamente.

Os sínodos, que nos primeiros séculos recebiam a designação de concílios particulares, ou provinciais, são uma tradição antiga na Igreja católica. Alguns tiveram grande importância na vida da Igreja, nomeadamente o que, há 1.700 anos, teve lugar em Elvira, no sul da península ibérica, e que antecipou a obrigatoriedade do celibato sacerdotal, que só mais tarde seria lei universal na Igreja católica de rito latino.

Os primeiros concílios ecuménicos – Niceia, Éfeso, Calcedónia, etc. – foram convocados para dirimir questões doutrinais, como também o Concílio Vaticano I. Não obstante a sua brevidade, por causa da ocupação de Roma pelas tropas de Garibaldi, este concílio não só recordou a possibilidade do conhecimento racional da existência de Deus, pelo que é, portanto, inexcusável, o ateísmo, como definiu o dogma da infalibilidade papal, sempre que o Santo Padre define, de forma definitiva, uma questão de fé ou de moral. O último concílio ecuménico, o Vaticano II, não se propôs definir nenhuma questão doutrinal, porque a sua finalidade era pastoral.

O actual Sínodo também não se propõe alterar a doutrina, nem a moral da Igreja: aliás, não o poderia fazer, porque um tal propósito excederia as suas competências. Há questões que já estão definidas de forma definitiva, como a não admissão das mulheres ao sacerdócio, e opções que podem ser alteradas, como a já referida disciplina ocidental do celibato, como condição para o presbiterado e episcopado.

Não obstante, há quem pretenda pressionar o presente Sínodo, para que admita práticas litúrgicas que contradizem a doutrina e a praxe eclesial, apelando para a pretensa necessidade de a Igreja se modernizar, ou seja, se mundanizar. Se assim tivesse acontecido há dois mil anos, quando ocorreu o primeiro concílio, em Jerusalém, por volta do ano 50, ter-se-ia pactuado com a pedofilia, então socialmente consentida; ter-se-iam justificado os espectáculos em que seres humanos eram devorados por animais selvagens; e, ter-se-ia legitimado, entre outras aberrações da antiguidade clássica, a escravatura.

Os nossos tempos não precisam de uma Igreja politicamente correcta, ou moderna, mas autêntica, que seja “sal da terra” e “luz do mundo” (Mt 5, 13-16), sendo, como sempre foi, “sinal de contradição” (Lc 2, 34). Contra o parecer maioritário do episcopado católico do século IV, a Igreja condenou, no Concílio de Niceia, o arianismo, que negava a divindade de Jesus Cristo. Contra a cumplicidade da maioria dos bispos católicos ingleses, John Fisher não cedeu ante a cismática prepotência de Henrique VIII e foi mártir em defesa da fé e da unidade da Igreja. Não obstante o dissentimento de muitos padres, teólogos e até bispos, São Paulo VI publicou a encíclica Humanae vitae, dando à Igreja e ao mundo um sinal profético de grande coragem: não em vão, o então Papa chegou a dizer que este foi o documento em que mais se sentiu inspirado pelo Espírito Santo.

O Papa Francisco não quer “uma Igreja rígida, que se arma contra o mundo e olha para trás; uma Igreja tépida, que se rende às modas do mundo; ou uma Igreja cansada, fechada em si mesma.” Pelo contrário, quer “uma Igreja que, no meio das ondas por vezes agitadas do nosso tempo, não desanima, não procura escapatórias ideológicas, não se barrica atrás de convicções adquiridas, não cede a soluções cómodas, nem deixa que seja o mundo a ditar a sua agenda”.

Esta é a Igreja de Cristo, dos mártires, dos confessores e dos santos. É também a Igreja do Papa Francisco. Por isso nós, os católicos, não rezamos para que o Sínodo transforme a Igreja, mas para que o Papa, com o colégio episcopal, na fiel obediência ao mandato de Jesus, nos confirme na fé (Lc 22, 32), na comunhão eclesial e na missão evangelizadora.