Há duas datas anuais, por sinal dois primeiros dias do mês, que são especialmente relevantes para os monárquicos e, em geral, para todos os patriotas: o 1º de Fevereiro, aniversário do regicídio que vitimou, em 1908, o Rei D. Carlos I e D. Luís Filipe, o Príncipe Real; e o 1º de Dezembro, quando foi restaurada a independência de Portugal, pela aclamação do Duque de Bragança, que passou a ser o Rei D. João IV. Desde então, a chefia da Casa Real e da Casa Ducal de Bragança coincidem no mesmo titular. Se o 1º de Dezembro costuma ser assinalado com um tradicional Jantar dos Conjurados, evocando o que antecedeu a restauração, no 1º de Fevereiro celebra-se uma Missa de sufrágio pelas vítimas do regicídio, na Igreja de São Vicente de Fora, a que se segue uma romagem ao vizinho Panteão Real.

O evento do 1.º de Dezembro tem uma marcada conotação política, também pela tradicional Mensagem proferida, nessa data, pelo Duque de Bragança, enquanto Chefe da Casa Real portuguesa. Pelo contrário, a comemoração do 1.º de Fevereiro é estritamente religiosa e, como tal, alheia a tudo o que seja contrário a este propósito. Por este motivo, não apenas se reza pelas almas das vítimas do atentado de 1 de Fevereiro de 1908, mas também, como exige a moral cristã, pelos regicidas, que nesse criminoso acto encontraram a morte.

A celebração deste ano, no passado dia 1, não pôde ignorar as circunstâncias que vive o nosso país, neste momento crítico da sua História e, por isso, teceram-se algumas considerações sobre as exigências éticas do exercício do poder. Embora a separação da Igreja e do Estado seja um princípio evangélico – “Dai, pois, a César, o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21) –, a laicidade das instituições republicanas talvez não seja alheia à multiplicação dos casos de corrupção no nosso país. Com efeito, não apenas um antigo ex-primeiro-ministro foi pronunciado, finalmente, por duas dezenas de crimes, mas também os chefes de dois Governos, o nacional e regional da Madeira, estão demissionários pelo seu envolvimento em escândalos incompatíveis com as suas funções. São casos que, infelizmente, não apenas envergonham os respectivos partidos, mas também o país e a república, cuja laicidade parece comprometida.

Como se recordou na celebração eucarística do passado dia 1 de Fevereiro, na Igreja de São Vicente de Fora: “Muito se tem falado e escrito sobre a crise política que se vive no nosso país, neste período da sua História. São notórias as graves deficiências do Estado social, sobretudo no que se refere à Saúde, à Justiça e à Educação. Mas o principal déficit da nossa sociedade, neste meio século decorrido sobre o golpe de Estado que pôs termo ao Estado Novo, é, na realidade, de ordem moral. Com efeito, na génese desta crise política, que levou à dissolução do Parlamento e à queda do Governo, está um escândalo originado por comportamentos éticos reprováveis. Estes factos atingiram não apenas os principais titulares dos cargos executivos, agora demissionários, mas também a honorabilidade do próprio regime.”

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A questão, com efeito, é pertinente: a república, instaurada a 5 de Outubro de 1910 e nunca plebiscitada, é um regime político propício à corrupção? A tão apregoada laicidade, que significa distanciamento em relação aos credos religiosos, é também indiferença em relação aos mais elementares princípios morais? A emergência de tantos casos de corrupção, entre a actual classe política portuguesa, é uma consequência da descristianização das elites nacionais? A separação entre o trono e o altar redundou, afinal, no indiferentismo ético?!

Estas perguntas, que são pertinentes num colóquio político, não seriam aceitáveis no âmbito religioso de uma celebração eucarística e, por isso, não foram formuladas, nem sugeridas, na Missa de sufrágio pelo penúltimo Rei de Portugal e do seu filho primogénito. Mas essa liturgia foi ocasião propícia para fazer memória dos membros da realeza que, ao longo de oito séculos da história nacional, foram exemplares pela moralidade e santidade das suas vidas.

Como então se recordou, “logo na sua primeira dinastia, a nossa História celebra três Infantas, filhas de el-Rei D. Sancho I, que alcançaram a bem-aventurança celestial: as Beatas Teresa, Sancha e Mafalda. É também figura cimeira dessa primeira etapa a nossa Rainha Santa Isabel, que embora originariamente aragonesa, foi portuguesa pelo seu casamento: foi em Portugal que foi Rainha e Santa, ‘mais Rainha porque Santa e mais Santa porque Rainha’, no inspirado dizer do nosso excelente Padre António Vieira.”

Depois da crise de 1383-1385, inaugurou-se um novo período da História de Portugal, em que também não faltaram exemplos exímios de santidade: “Foi também um santo que esteve na origem da dinastia de Aviz: embora D. Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável, não fosse membro da Casa Real, pelo casamento da sua única filha com o primeiro Duque de Bragança, é origem desta Casa Ducal que, desde 1640, é também a nossa Casa Real. Igualmente merece especial menção o chamado Infante Santo, que o não foi oficialmente, mas sim na voz do povo, que alguns dizem ser também voz de Deus. Desta segunda dinastia, como não lembrar ainda a nossa Santa Joana Princesa, a Infanta que a cidade de Aveiro tanto se orgulha em ter por principal padroeira?! Ela é mais um sinal do elevado padrão ético que, desde sempre, foi timbre da Casa Real portuguesa.”

Por último, “com a restauração da independência nacional, que em termos jurídicos nunca se tinha perdido, pelo facto de a união das duas principais coroas ibéricas ser apenas pessoal, o então Duque de Bragança, D. João, quarto rei do seu nome, não apenas consagrou Portugal a Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, vizinha do seu paço ducal, como na sua virginal e imaculada fronte cingiu a coroa real que, desde então, os Reis de Portugal não mais usaram. A D. Maria I, dita a piedosa, se ficou a dever a magnífica Basílica da Estrela, onde jaz, e que é a primeira igreja no mundo dedicada ao Sagrado Coração de Jesus, quando esta devoção era ainda inédita no culto católico.”

Mais exemplos poderiam ser referidos, nomeadamente em relação a outros países e às suas famílias reais: o castelhano Fernando III, o Santo; a escocesa Rainha Santa Margarida; o Santo Rei Luís dos franceses; o britânico São Eduardo, confessor; Santo Estêvão, fundador da monarquia húngara, e tantos outros monarcas e príncipes que foram também exemplos de virtude cristã.

Não se pense, contudo, que só no passado ocorriam estas vidas santas entre os membros da realeza, pois o último monarca elevado às honras dos altares, bem como o próximo soberano que, provavelmente, receberá essas honras, não só são recentes, como têm ascendência portuguesa. Com efeito, o já beatificado Carlos I, último Imperador austro-húngaro, falecido na Madeira, onde jaz, era neto materno de uma filha da Rainha D. Maria II. Por sua vez, o Rei Balduíno, da Bélgica, talvez o próximo soberano a ser beatificado, era bisneto de uma filha de D. Miguel. O antepenúltimo Rei dos Belgas, ao recusar-se a promulgar a iníqua lei que, no seu país, legalizou o aborto, protagonizou um gesto heróico, que lhe poderia ter custado o trono. Por ter sido um tão relevante exemplo de coerência cristã, está em processo de canonização.