No dia 13 de setembro de 2022 o Tribunal Coletivo deliberou pela absolvição do Comandante Augusto José Reis Arnaut (o primeiro Comandante de um CB a chegar ao Teatro de Operações), da prática de todos os crimes que vinha pronunciado/acusado na sequência dos grandes incêndios ocorridos nos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e Sertã, entre os dias 17 e 24 de junho de 2017.

Neste julgamento, em que se procedeu à inquirição circunstanciada de mais de duas centenas e meia de testemunhas, ficou claro que, à data de 2017, não se podia prever que o incêndio conseguisse “dar um salto” de 1 Km/hora para 7 kms/hora, porque não havia o conhecimento desse facto, nem sequer simuladores de incêndios com modelos matemáticos que o pudessem antecipar.

Ficou provado que a generalidade dos óbitos verificados e das lesões físicas sofridas, foram consequência direta do outflow convectivo e/ou do “downburst” verificado, um fenómeno pirometeorológico extremo, raro e imprevisível, que pela primeira foi registado em Portugal, e em todo o continente europeu, pelo que não se provou que os óbitos e ofensas à integridade física verificados tenham resultado, por ação ou omissão, da conduta de qualquer dos arguidos.

Disse-o publicamente, várias vezes, que a Comissão Técnica Independente (CTI), criada para apuramento dos factos relativos àqueles incêndios, não soube (ou não quis) perceber todo o processo de resposta operacional que ocorreu nesse Teatro de Operações (TO), fruto de uma deficiente avaliação, com afirmações falsas e/ou afirmações tendenciosas e que não mereceram o respetivo contraditório de quem tinha essa responsabilidade, levando o país a pensar que o problema do Dispositivo de Combate aos Incêndios Florestais era um problema de competência técnica e não um problema estrutural.

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Aliás, esta mesma CTI, cuja composição e respetivos destinos merece a nossa melhor atenção (quem eram, para onde foram, que interesse tinham na questão), elaborou um relatório que em tribunal, no que diz respeito à resposta operacional, resultou numa manifesta e incompreensível (ou talvez não) incapacidade (por parte da maioria dos elementos da CTI que prestaram testemunho) de explicar o teor do próprio relatório tendo mesmo, quase todos, muitas vezes, contradito aquilo que estava escrito, e, outras vezes, assumido absoluto desconhecimento da área operacional como justificação para aquelas contradições. Nada disso, porém, os inibiu de subscreverem um documento daquela importância, fazendo crer que o seu teor era resultado da concordância de todos.

Como sempre o dissemos, publicamente, várias vezes, ficou demonstrado perante o país que o Comandante Augusto Arnaut deu o seu melhor, que fez tudo o que podia fazer, e bem, mas também ficou demonstrada a injustiça que sofreu. Foi “crucificado” por muitos, que agora “cobardemente” se calam, em vez de virem a terreno pedir desculpa pelo que disseram e pelo que escreveram.

É importante que cada um de nós imagine o que será ser arguido num julgamento destes, sendo inocente. Por que terá este homem passado? E é legítimo que os bombeiros se questionem sobre isto. Quantos de nós aguentariam isto? Aliás, quantos de nós poderiam pagar uma defesa destas? foram cerca de 5 anos, mais de um ano só em julgamento (todos os dias), milhares e milhares de horas. Esta é uma questão muito importante que ainda não mereceu a devida reflexão.

Mas o problema dos incêndios não fica agora resolvido com esta clarificação do que realmente se passou em Pedrógão Grande, pelo contrário, porque passados 5 anos continuarmos a ter um Dispositivo de Combate que, não obstante existirem hoje mais meios, se depara com imensas dificuldades face a uma nova geração de incêndios que, em resultado das alterações climáticas de todos conhecidas, tem capacidade de gerar velocidades e intensidades de propagação extremas.

Recordo, aliás, as palavras sábias do Comandante Arnault, proferidas após o julgamento aos Órgãos de Comunicação Social (OCS) presentes, relembrando os “distraídos” que os incêndios, desde 2017, são cada vez mais violentos e difíceis de combater e da necessidade de olhar para o sistema de resposta.

É importante, também, não esquecer que foi este mesmo relatório da CTI que esteve na base de todo um conjunto de medidas levadas a cabo pelo Governo, com os resultados que todos tivemos a possibilidade de assistir, 5 anos depois, ao vivo nas TV, em todo o país, e em especial na região da serra da Estrela, com mais de 28 mil hectares de área ardida, dos quais cerca de 22 mil só no parque natural.

E temos de ter presente que nestes incêndios não aconteceu, felizmente, nenhum fenómeno pirometeorológico extremo, raro e imprevisível, como aconteceu em Pedrógão Grande, que infelizmente se repetiu em outubro do mesmo ano, apesar de os respetivos incêndios terem exibido características bastantes diferentes, reforçando a ideia de que estamos perante um novo tipo de incêndios. Mas, se acontecesse (como poderá acontecer em qualquer momento), como seria? Estamos preparados? Estou convicto que os portugueses têm a resposta, face ao que todos vimos este ano.

Após esta clarificação que resultou do julgamento de Pedrógão Grande, no dia 13 de setembro de 2022, é, pois, o momento de o Governo refletir, seriamente, sobre o caminho que o sistema de proteção civil e o Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios estão a seguir e ter a coragem de olhar, finalmente, para o “problema estrutural” dos sistemas e fazer as mudanças que o país precisa.

Como já referi várias vezes, o ano de 2005 constituiu um marco importante na história recente da Proteção Civil em Portugal. Após uma avaliação objetiva, em apenas dois anos (2006 e 2007) mudou-se o sistema de Proteção Civil em Portugal, que em 2008 foi apresentado em Bruxelas como um modelo de sucesso, e foi implementada uma ambiciosa estratégia para a floresta, diploma que manteve a sua atualidade até ao ano de 2017.

É, por isso, importante que após esta clarificação do que foi o trabalho da CTI, no que diz respeito à resposta operacional, e dos resultados que daí resultaram para o país, bem visível à vista de todos, que o Governo recupere os bons exemplos do passado, como foi o de 2005, com tão bons frutos para o país, que só se mostrou débil face a uma nova realidade para a qual não foi desenhado.

Recentemente, fomos confrontados com uma declaração do Presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) ao jornal “Público” que “os grandes incêndios deste verão vão ser investigados pela Comissão Nacional para a Gestão Integrada de Fogos Rurais”, e que a comissão vai “analisar os incêndios para otimizar as melhorias que possam ser introduzidas”. A comissão, que opera sobre a égide da AGIF, no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, é “supostamente” uma “entidade independente”. Ora vejamos, se a AGIF é parte ativa no processo da gestão integrada de incêndios rurais como pode, uma comissão que está sob a sua égide, pronunciar-se e avaliar com imparcialidade o sistema do qual foi mentora?! Fica a pergunta.

Importa, ainda, relembrar que a criação da AGIF teve por base uma proposta da referida CTI, e que integra elementos dessa mesma Comissão.

É importante fazer-se uma avaliação integrada e multidisciplinar à resposta do sistema, não só no que diz respeito aos incêndios, o foco principal neste momento, mas também a todos os restantes riscos que estão a surgir, cada vez mais de forma atípica e violenta para o cidadão. Estas avaliações não podem dispensar a participação de todos os parceiros que convivem neste sistema.

Como sistematicamente tenho vindo a referir, o Ministro da Administração Interna (MAI), dispõe de uma estrutura que depende dele, a Comissão Nacional de Proteção Civil (CNPC), onde têm assento as entidades máximas das estruturas que participam no Sistema de Proteção Civil em Portugal, a quem deve competir a constituição de uma equipa multidisciplinar, através da nomeação de um representante de cada uma dessas estruturas, que, na dependência do MAI, possa fazer um trabalho sério e isento.

O ano de 2017 surpreendeu o país porque não tínhamos um dispositivo preparado para esta nova realidade dos incêndios florestais que as alterações climáticas nos trouxeram, e que potenciam as omissões de ações estruturais de prevenção, que teimamos em repeti-las ano após ano, mas não podemos desperdiçar outra oportunidade, porque Portugal não pode ter outro desastre depois de estarmos todos avisados.