Um dos mais antigos, e decerto mais extraordinários, poemas em português começa com um susto: “Sedia-m’eu na ermida de Sam Simion / e cercarom-mi as ondas, que grandes som! /Eu atendendo meu amig’ ”. Não sabemos nada sobre o autor, possivelmente do fim do século XIII, de que aliás nos chegou esta única cantiga. O poema, que é curto, conta repetidamente a mesma história, com pequenas variações em cada estrofe: uma rapariga estava numa ermida, vieram grandes ondas do mar, e o amigo não chegou; não há por perto quem saiba remar: irá morrer? Percebe-se a aflição.

O mais importante não é porém a aflição. Num certo sentido a maior parte da poesia é sobre aflições, e poetas aflitos; os sustos que eles tiveram, e as variadas emoções sobrevindas. Esta ideia é tão habitual que se um poema não exprime uma emoção, nem que seja de modo ténue, os leitores queixam-se do poema, e podem considerar que não se trata de um verdadeiro poema. Mas mesmo durante as suas emoções os poetas têm a fama e o proveito de controlar os seus poemas; mostram-se frequentemente a fazê-lo, e com desembaraço; afinal de contas são a principal autoridade em matéria das suas emoções.

O susto desta ermida, porém, e a aflição da pessoa que lá está, são peculiares; não são preparados nem explicados; e muito menos o poeta nos comunica que já previra que tudo aquilo deveria acontecer. São o resultado de uma ocorrência inesperada, ou insólita. Parece que na Galiza há uma ilha ao pé de Vigo, onde teria existido uma ermida ou um convento. Mas o susto não tem a ver com as características específicas da ermida de São Simão ou São Simeão, ou com o tempo famosamente incerto da Ria de Vigo. Tem a ver com o contraste insólito entre um sítio onde se está muito sossegado e, sem aviso ou preparação, a ocorrência de um cataclismo natural.

A história deste tsunami no fim da Idade Média não interessa nada como documento, e muito menos como documento histórico; nenhuma informação sobre o tempo, os conventos, a geografia, os barcos a remos, e até sobre a inconstância dos namorados ou a Galiza, é de ajuda. O poema é apenas evidência e descrição de um susto impreparado. E desde logo, acha o poeta, de um susto causado por factores que não se conseguem controlar. A coisa mais importante deste poema é ser um poema sobre um poeta disfarçado de rapariga que, estando muito sossegado ao pé de um altar, acha que corre o risco sério de morrer “fremosa no mar maior,” e apanha um susto. O poema de São Simão desmente a ideia de que os poetas estejam mais preparados que o resto de nós; o seu protagonista e o seu autor admitem francamente que não sabem remar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR