De acordo com o Memorando de Entendimento de 2017 e o Acordo de 2019 celebrados entre o Estado e a Vinci, a opção para ampliação da capacidade aeroportuária de Lisboa seria a ampliação da Portela e o aproveitamento da Base Aérea nº6 no Montijo para aeroporto civil. Ora o Memorando de Entendimento baseia-se no pressuposto completamente irrealista de que esta solução satisfará a procura até ao fim do Contrato de Concessão, em 2062.

Quando foi celebrado este acordo já as taxas de crescimento do tráfego na Portela desmentiam a sua validade (12% ao ano entre 2013 e 2016 e 19% em 2017). Na realidade esgotará muito rapidamente, quase 30 anos antes do termo do Contrato de Concessão. Quais serão as consequências daqui a cerca de 10 anos e depois, com a capacidade aeroportuária da região de Lisboa novamente esgotada?

De acordo com o Contrato de Concessão, a Vinci não é obrigada a ampliar mais a capacidade aeroportuária, apenas a assegurar a manutenção da infraestrutura até ao fim do Contrato. Se o Contrato de Concessão continuar a permitir o aumento das taxas em função da procura e esta estiver sempre no máximo, por deficiência da oferta, a Vinci poderá aumentar fortemente as taxas sem ter de fazer mais investimentos em aumento de capacidade. Uma autêntica mina de ouro para a Vinci à custa da repressão da procura durante quase 30 anos na Portela.

O hub de Lisboa enfrentaria sérias dificuldades e o respectivo tráfego iria para Madrid (se tivéssemos sorte) ou espalhar-se-ia por outros hubs no centro da Europa. A TAP acabaria por desaparecer, porque sem o hub não conseguiria competir com as low-cost. A capacidade disponível que o fim da TAP libertaria no aeroporto para novos movimentos e estacionamento de aviões (slots), iria progressivavamente ser ocupado pelas low-cost com voos ponto-a-ponto para a Europa. Mesmo assim perderíamos a maioria das ligações directas que temos a destinos fora da Europa, que sem o hub deixariam de ser economicamente viáveis, pois o hub capta passageiros com destino a toda a Europa e o ponto-a-ponto só capta passageiros para Portugal, e teríamos menos destinos directos na Europa e menores frequências para os destinos mais concorridos. Esta perda de conectividade ao mundo para passageiros, relativamente à alternativa de Alcochete, seria um fortíssimo factor de subdesenvolvimento económico para o  nosso país.

Acresce que algumas condições supervenientes vieram tornar inviável a solução de 2017. A saber: o continuado crescimento da procura após a pandemia; a inviabilização do Montijo pela ANAC baseada nos pareceres negativos das autarquias com populações penalizadas pelo ruído e poluição nos cones de aproximação e afastamento; a extrema dificuldade de viabilizar o acréscimo de capacidade na Portela, pois a exigência legal de um estudo de impacte ambiental é de difícil concretização pela violação da lei do ruído.

Por tudo isto, e porque o Contrato de Concessão da ANA previa a ampliação da capacidade aeroportuária da região de Lisboa pela construção do NAL (em Alcochete), a capacidade negocial do Estado é suficiente para negociar com a Vinci uma solução equilibrada para a viabilização da solução Alcochete. Por isso, se o Estado português for firme na defesa do interesse do país, essa solução também passará a ser do interesse da Vinci. O que certamente não é do interesse do país é desistir de Alcochete porque a Vinci diz que prefere o Montijo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR